"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

domingo, 5 de dezembro de 2010

Olhos azuis

Eu descobri que o céu era azul no dia em que olhei nos olhos dele. Eram claros e límpidos como as tardes de abril.

Gostavam de me olhar, incessantemente. De me despir nua, daquele jeito que poucos olhos conseguem.

Brilhavam um brilho de criança na manhã de Natal, que vê os presentes embaixo da árvore esperando o doce e ansioso toque das mãos infantis a tatear e descobrir.

Miravam-me como dois céus azuis particulares, que eu podia ver, só eu podia ter.

Aqueles olhos azuis, me seguiam pela casa. Eu com os pés nus tocava o chão gelado ao sair da cama, um leve tremos me subia pelas costas, da mesma forma que os olhos azuis me faziam sentir na cama. Aqueles olhos azuis atravessavam as paredes comigo, por todos os cômodos da casa.

Ah os olhos azuis!

Mas um dia os olhos azuis se fecharam. E eu não tinha mais os olhos azuis. Aquele mar, perdi todas as chances de me banhar naquele mar para sempre. Nunca mais teria aquele mar matinal que me acordava toda mahã, me encarando como quem pergunta: estás pronta para viver?

Eu queria viver, olhos azuis, mas você não está mais aqui. Seu céu azul em que eu me banhava de felicidade todos os dias não está mais aqui. Por que olhos azuis? Por quê?

Por que fugistes de mim e nunca mais voltastes?

A água límpida e azul que batia nas pedras negras das íris de seus olhos. As rajadas ocasionais de vento que carregavam a areia branca de suas praias para dentro daquele azul sem fim. Que me carregavam como se tragassem um cigarro. Como um cigarro em que se traga o último gosto do vício. O meu vício.

Doces e ternos olhos azuis, que me faziam voltar todo dia pra casa. O que farei agora olhos azuis? O que farei sem você? Pra que casa voltarei?

Você me viciou, e como fico eu? Estou viciada em você...

E você se foi.

O doce manto negro cobriu seu azul sem fim me deixando só, vazia, transparente.

E você se foi.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Último dia do mês



Último dia do mês. Quero escrever, não consigo. A inspiração se esvai como que água por entre dos dedos ressequidos.

As palavras pulam em minha frente, mas não são minhas. Quero roubá-las, fazê-las minhas, engoli-las, antropofagicamente. Quero a câmera na mão, para filmá-las belas e dançantes, fazendo loopings e piruetas como se zombassem por não poder tê-las.

Riem-se todas de mim. “Não consegue pegar-nos?”. Tristemente repito para elas: “Estou a caminho...” Pareço fraca para cumprir com o prometido. Elas continuam a saltar e rir, como fadinhas divertindo-se com minha fraqueza.

Estico meus braços na direção de uma delas. Meus dedos quase chegam a encostar em uma delas, desilusão, se eu não me engano. Embora parecesse que se eu esticasse um pouco mais poderia pegá-la facilmente – uma vez que desfilava sedutora alheia ao mundo – não queria novamente ter que me contentar com ela.

Queria aquela, complicada, que voava com a destreza de 10 menestréis, bem alto, acima da minha cabeça. Não consegui entender direito o que era, mas era alegre, e brilhava.

Aos poucos a fraqueza foi desaparecendo, e parecia que as palavras se aproximavam de mim, ainda tímidas. Então era esse o segredo?

Levantei confiante, peguei lápis e papel e avancei sem temor para onde estavam as palavras. Elas pareciam gostar do lápis e do papel, especialmente do lápis, pois escorriam por seu corpo e sua ponta escura até tocar delicadamente o papel. Parecia que elas sabiam desde sempre como se formar em frases, sentenças, orações, versos.

Senti que elas entravam pela minha cabeça e escorriam por todo meu corpo para que eu sentisse o efeito que cada palavra daquela tinha em mim, saiam pelo lápis. O único ponto de escape, a única válvula, o único funil, que tornava a vida tão fácil.

A chuva começava a cair lá fora, e as palavras começavam a cair aqui dentro.

Uma a uma sem vontade, caiam as gotas e as palavras, cada vez mais fortes, até tomar meu corpo de tempestade e poesia.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Poesia sem nome nº 09


Estar aqui é como estar fora de lugar.
Sem estar realmente aqui.
Sem ser realmente alguém.
Sem ter alguém aqui.
Viajar dentro de mim mesma e descobrir que não sou mais do que aquilo que já havia dentro de mim.
Ou que eu não era aquilo que achava.
Que sou mais do que realmente acredito que sou.
Ou que não sou ninguém.

sábado, 20 de novembro de 2010

Fantasias

Poesia escrita para um trabalho da matéria Linguagem Fotográfica da faculdade. O trabalho consistia em fazer um ensaio fotográfico sobre o que desejasse e arrumar uma forma de apresentar esse ensaio. Eu resolvi então criar um "livro" onde eu colocaria as fotos e algumas citações sobre fantasias (o tema do meu trabalho). Essa poesia entraria na última página, como fechamento do trabalho.




Fantasiar-se é perder-se em meio a tantos outros,
E ser outro dentro de si, e ser si dentro de outro.
Fantasiar é acompanhar-se a um local desconhecido,
E descobrir que esse local sempre foi seu.
Fantasiar-se é poder esquecer-se...
De si mesmo, do dia, da vida...
Fantasiar é poder ser tudo aquilo que quiser sem ter que sair de si.
E ter vários, ser vários, amar vários,
E viver.
Várias vidas dentro de uma mesma vida.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Poesia sem nome nº 08


Vi você numa terça
Te amei numa quarta
Na quinta estava cheia de você
Na sexta dei um tempo
No sábado nos casamos
No domingo passeamos na vida
Na segunda... ah...
Na segunda,
Preferi esquecer você porque meu sonho já durava quase uma semana.
Será que algum dia vou te ver de novo?
Será que o destino nos pregará essa peça?
Quero estar com você,
Na terça pra te amar,
Na quarta pra te odiar,
Na quinta só pra ter você.
E assim ter você o resto da semana.
Quem sabe da vida?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Original de Fábrica

Um pouco diferente das coisas que eu escrevo normalmente, mas ainda válido. Não sei ainda se gosto, mas vou ler até gostar.

"Ela era plastificada. Todo mundo sabia.

Enchia a boca pra dizer: “É tudo original de fábrica”. De fábrica meu cu.

Andava por aí rebolando o silicone comprado nos “states” que colocou na bunda. Pois é, nem o cu era de fábrica, item opcional, valor: R$ 4.500,00.

“Deve ter vindo só o casco de fábrica”, mas os meninos queriam mesmo era andar no modificado, afinal, o “tunado” é beeem melhor, e custa bem mais caro.

Cada mês era uma coisa: silicone, escova progressiva, unhas postiças, até as unhas! Qual o problema com usar suas próprias unhas? Não entendia.

Eu, andava por aí com minhas estrias, celulites e meu cabelo enrolado. Muito orgulhosa de mim mesma pelas cicatrizes que a vida havia me dado, nenhuma delas comprada. Não tenho muitos “originais de fábrica” na concepção da moça aí de cima.

Não tenho dinheiro pra “tunar” essa carcaça que vos fala, por isso, ando querendo fazer as pazes com isso, uma vez que as chances de ganhar no pega tendem inevitavelmente à zero.

O que me conforta é que sempre há aquele que gosta dos carros antigos, aqueles... em que os originais de fábrica eram realmente originais, e de fábrica. Sabe aqueles caras? Que sabem o verdadeiro valor de um carro antigo, mesmo com todos os seus defeitos, mesmo que tenha carburador, mesmo que gaste mais gasolina (ou diesel), mesmo que não chegue à velocidade de um tunado.

Um dia ainda acho o meu dono de carros antigos, um adorador de fusquinha. Hahaha.

Aí vamos andar por aí, com os cabelos enrolados ao vento.

E pros caras que gostam de moça “original de fábrica” como essa aí de cima, fica o meu recadinho: a peça que não é originalmente original de fábrica vai dar problema eventualmente, mais cedo ou mais tarde, e você vai ficar na mão. Literalmente."

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Originalmente Poesia

Acordei com o gosto bom na boca por sonhar com você. Ouvi desatenta o rádio cantar que essa é a parte difícil. Esperei tanto para me sentir assim de novo, mas como sempre tudo se traduz numa doce ilusão de infância, doce ilusão de manhã: ter você, e nunca mais querer abrir os olhos. Dormir eternamente e não ter que sentir o gosto amargo da manhã levando você de mim.

Queria de volta aquele pé de sonhos no meu quintal. Pra eu poder subir no galho mais alto e jamais ter que descer.

E ter você.

sábado, 6 de novembro de 2010

A Última Rainha

Preciso fazer uma introdução a essa poesia: Essa poesia foi escrita para um roteiro do mangá que eu sou roteirista. O capítulo em questão é o capítulo 34 e conta o velório da rainha dos elfos. Esse capítulo ilustrado pode ser encontrado em: Em Busca do Poder.




A brisa calma da primavera
Faz dançar a última flor do outono
Por entre árvores e torres,
o último cortejo.

Caminham juntos armas e cruzes
homens e deuses.
E homens que se acham deuses.
E deuses que agem como homens.

Caminham.

O último cortejo
Feito de ganância e ódio,
amor e caminho.

Caminham.

Caminham elfos, homens, anões e amazonas.
Caminham amigos e família.
Caminham lado-a-lado.

A última rainha.
O último suspiro do tempo.

Rostos que se misturam com a paisagem,
Rostos de uma era que não voltará.

Restos.

A música silenciou.
A floresta silenciou.
Abriu-se passagem.
A última rainha.

Caminham.

Ver morrer seus ideais.
Ver cair seus monarcas.

Um segundo em que se segura o fôlego.

E por um instante o mundo pára.
O tempo pára.
A vida pára.
Para observar o fim.

Caminham.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Eterna espera das manhãs de domingo

Sabe, subi num pé de sonhos hoje. Queria provar para mim mesma que podia ser maior do que a vontade que estava dentro de mim. Aquela vontadezinha... Quando cheguei lá em cima parecia que aquilo havia crescido. Não era a minha intensão, mas o que não fazem os sonhos né?

Você já quis voar? Eu já. E voei. Não sou pessoa de pés no chão, não sempre. Sou mais de voar por aí, olhar as coisas como se eu pudesse ser alheia ao mundo. Sabe? Aquela sensação de eterno voyerismo, sem precisar se preocupar se o mundo está olhando para você.

Você está além do posso alcançar. Mas posso te olhar, e assim percebo que você também me olha, quase sem querer seus lábios se abrem em um sorriso, não posso evitar, sorrio também. E de repente tudo volta ao normal, como se nunca tivesse acontecido.

Por que essa eterna espera pelas coisas que não acontecem?

Quero me acabar em sorrisos eternos e ternos sem ter que me preocupar com o mundo. Quero me acabar em você, como uma doce manhã que se espreguiça num domingo calmo de janeiro.

Quero você de qualquer jeito, a qualquer hora, como for. Quero você.
Sabe, é estranho estar aqui, e pensar que não estou. Encarar tudo como uma grande ilusão, a vida como aquele imenso pé de sonhos que cultivei em meu quintal.

Gosto de subir o pé de sonhos todo dia, e sempre é diferente. As vezes te encontro lá em cima, à vezes não preciso nem chegar ao topo, e às vezes, mas só às vezes te procuro por todo o caminho, mas no fim tudo se acaba como a eterna espera, salgada e doce e azedinha como devem ser as esperas.

De vez em quando eu adubo esse pé, e parece que cresce a ponto de não se poder enxergar o topo, mas descubro que embora maior e maior a cada dia, fica cada dia mais fácil chegar ao topo. Vivo desses sonhos.

Colho todo dia imensos sonhos meus e seus e todo dia planto uma nova árvore. Meu quintal tá cheio de você. De todo esse sorrir, esse sonhar, de todo esse estar, e também do não-estar.

Estou cheia de você. E as vezes acho que você sabe disso.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Não sei.

Sabe vontade de não fazer nada? De não ser? Me encheu isso esse fim de semana. Andei, andei, lembrando que o trabalho viria, mais cedo ou mais tarde. Mais tarde, de preferência. Me estiquei no sofá e peguei calmamente o livro pra ler, o dever me chamava, a faculdade me chamava.

Lia as palavras e elas passavam como água pela minha cabeça. Engoli todas. Ficaram todas alojadas na minha barriga, a cabeça funcionava alheia, pensando, pensando, em mil coisas.

Fiz um esforço descomunal de primavera para me levantar do sofá. O dever com a nação me chamava. Tantas coisas me chamavam a sair daquele sofá, mas a preguiça me dominou.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poesia sem nome nº 03


Escrever é juntar palavras e vírgulas e pontos.
Numa seqüência lógica.
Escrever é desapegar-se...
De si mesmo.
Esquecer-se que existe e colocar-se no papel.
Esvaziar-se.
Escrever é como poder tudo, a qualquer hora.
Escrever é ser livre para buscar o infinito todo dia, e voltar a tempo de entrar em si mesmo [como é necessário todo dia fazer.
É fechar os olhos e imaginar palavras.
É conseguir expressar aquilo que te atormenta ou que te eleva.
É deixar-se para trás e buscar-se mais à frente.
É como contrariar o inevitável.
E ser vilão e herói.
E amar e odiar.
Escrever é retratar a vida. A sua ou a do outro.
Quero poder me transmutar em palavras diariamente. Quero escrever-me.
Quero que me leiam todo dia.
Quero ser verso, refrão, poesia.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DesRepetição


Se eu pudesse desmistificar o meu corpo,
e atrelar-me ao não-físico, ao teórico, ao sentimental.

Se eu pudesse desestabilizar a sociedade,
e repensá-la como minha, como eterna, como fácil.

Se eu pudesse desgostar a carne,
e reformá-la em mim, em você, na cama.

Se eu pudesse destratar o futuro,
e remoldá-lo sucinto, breve, passado.

Se eu pudesse desestagmatizar você,
e restaurá-lo todo, meu, aqui.

Se eu pudesse...

Mas eu não posso,
por isso mistifico, estabilizo, gosto, trato, estagmatizo,
você.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

1011

Andou pela calçada pensando se aquilo seria o melhor a se fazer. Não teve dúvidas: já havia pensado nisso tantas quantas vezes podia e havia sido a coisa mais acertada que podia fazer.

O dia estava branco. Gostava de dias brancos, lembrava-lhe de outras pessoas de sua vida, lembrava-lhe de músicas, lembrava-lhe de sonhos.

Um pequeno cachorro quase esquelético atravessou a rua em sua frente, percebeu que o cachorro a seguia já a algum tempo. As vezes ele a olhava como se quisesse que ela ficasse para sempre... Ela sabia que não podia, tinha muitas coisas a fazer, tinha que quebrar alguns corações ainda, o dele não seria o último.

Caminhou pelo calçadão da praia. As crianças brincavam felizes na areia, alheias a tudo o que acontecia em seu pequeno grande coração. Estava apertadinho no peito, como se tentasse ficar quietinho para que ninguém pudesse ouvi-lo.

Alguns meninos jogando vôlei na praia ignoraram completamente a existência dela. Melhor assim, não sabia o que falar nessas ocasiões, era tímida, aos seus próprios olhos.

Tinha vontade de encontrar um amigo de infância, qualquer um. Não sabia porque, mas queria, e ela era assim, sentia essas vontades do nada. E enquanto não sanava o desejo não sossegava. Naquele dia ela não teria escolha, não havia a menor possibilidade. Teria que engolir a vontade a seco.

Levava na mão os cadernos da faculdade. Papéis, sempre papéis, e inteminavelmente eles continuavam a aparecer em sua vida. O primeiro papel como atriz, o papel avisando que havia passado no vestibular, o papel que dizia qual era o seu nome, o papel que ela exercia na comunidade. Sempre os papéis de sua vida.

Como não podia deixar de ser, lhe entregaram milhões de papeizinhos na rua.

Quase sem perceber ela chegou ao prédio em que ele morava. Era seu genitor, mas ainda assim parecia um completo estranho aos seus olhos. Aquele assunto teria que ser resolvido naquele dia, era o único dia, ela precisava ficar livre dele. Não suportava a idéia de estar ligada a alguém que não estava nem aí.

Adentrou o elevador e sem pestanejar apertou o andar tão temido por tantos anos. Tantos anos evitando estar naquele lugar. Lá lhe trazia tantas lembranças. Lembranças que havia lutado praticamente sua vida toda para esquecer.

O elevador abriu. Hesitante ela deu o primeiro passo em direção ao seu futuro, para fora do elevador. Chegou ao apartamento: 1011. Aquele número lhe assombrava, hoje seria o fim do pesadelo.

Levantou a mão trêmula, olhou para o chão como quem pensasse que aquela não havia sido sua melhor idéia, abriu a boca para resmungar algo para si mesma mas sabia que não era necessário, já havia repetido a mesma ladainha diversas vezes. Sabia exatamente o que dizer quando o encontrasse.

Não chegara tão longe para mudar de idéia. Aproximou a mão da campainha.

O alarme soou longe, preparando o cenário para o inevitável.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Proseando sem nome nº 01


Hoje acordei com fome. Fome de poesia.

Fui até a cozinha, mas haviam acabado os raios de sol.

Subi as escadas com pressa para acordar minha irmã que dormia pesadamente sobre o travesseiro de sonhos dado a ela por nosso pai. Encontrei a cama vazia.

Minha irmã já voava pela janela ao encontro do dia que todo dia teimava em aparecer por lá.

Segui meus próprios passos de volta à cozinha. Que lugar mais perfeito para se começar um dia. Onde mais eu poderia tomar minha dose diária de tudo aquilo que me fortalece?

Onde mais encontraria minha dose diária de proparoxítonas e hiatos?

Apareceu hoje na cozinha uma prosa voadora. Pousou bem no parapeito de minha idéia e me olhou indagante como se quisesse permanecer por ali. Mas como toda boa prosa rapidamente voou antes que fosse possível alimentar-lhe com um pouco de esforço.

Após a prosa, se apossou de mim uma imensidão crescente. Teimou, teimou e ficou em mim. Cresci a ponto de agarrar-me ao céu, e tomar os raios de sol matinais no gargalo do dia.

Vi ao longe um paraíso particular, meu paraíso particular. Lá deitava-me sobre a grama e cantava esvaindo do peito toda dor da vida até que não pudesse ouvir minha própria voz, era como ser feliz para sempre.

Percebi então que não estava sozinha, me abraçava tímida uma vontade de ser vento; pés no chão, cabeça no céu e olhos no horizonte. Tudo se desfez diante daquele toque, e fui me juntar a vida que corria à passos largos, como se quisesse bater o record mundial daquilo que não existe.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Belém

Lá vem a santa pelas ruas largas de Bélem.
Fé e suor na procissão.
E como é preciso ter fé,
segurar na corda como se fosse a mão da própria santa.
Casinhas, barquinhos, povo.
A vida em Miriti.
O corpo parece mais leve depois da passagem da santa.
Como se fôssemos feitos de miriti.
A tradição, raiz, o coração do país.
Tucupi, tipiti, açaí, miriti, buriti.
Tacaca, taperebá, vatapá.
Caruru e cupuaçú.
"Vamos ali ver-o-peso"
Outro mundo dentro do mundo.
Outro eu dentro de mim mesma.
A vida me leva como a corda da santa,
minha vida se esbarra com as vidas alheias, as mãos que seguram a corda.
E preciso ter fé.
Lá vai a santa pelas ruas largas de Belém.
Puxando a eterna procissão da vida.

domingo, 17 de outubro de 2010

Brasília + Poesia sem nome nº06

Respirei Ares de Brasília.
Pisei em solo brasiliense.
Me senti um pouco mais brasileira.
Meu coração se encheu de árido e concreto.
Brasília,
suas luzes,
suas ruas, retas, paralelas, congruentes,
cortam teu seio como fios de alta tensão por onde corre o sangue brasileiro,
por onde fluem calmamente os ares secos e ríspidos de você.
Estar em Brasília não é como estar em nenhum outro lugar no mundo.
É sentir-se pequeno diante da maestria do arquiteto,
que rege vigas como quem rege sóis e lás e rés.
O arquiteto que abrigou o coração do país, construiu suas veias.
Essas veias em formato de avião.
Fazem sonhar o futuro, alçar novos vôos sob teu céu azulado.
Ah, Brasília, centro do Brasil.
Coração Brasileiro.
Luzes públicas que corrompem a escuridão da noite brasiliense.
Nosso avião sobrevoa calmamente seus satélites.
E com o silêncio tão inerente a partida.
Me despeço de teu solo, oh, mãe gentil,
Brasília.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pequeno devaneio translúcido da carne

Não sei se fui ou se sou
Não sei ao menos se minha existência é crível.
As vezes sinto que não sou...
Mas então no peito palpita agitado o pequeno músculo,
saltos aloprados contra a pele nua.
Cada pulo é como se fosse a lembrança de que ainda há esperança,
[de que um dia a angústia e a falta de mim mesma se extinguirá.
Será que em alguma esquina dessa vida louca me encontrarei novamente?
A falta daquilo que é inevitável dentro de mim.
A falta de você, seja você quem for.
Falta aqui dentro, para que eu seja.
Faltam suas pernas, seu peito, sua boca.
Faltam as palpitações contra a pele nua.
Falta toda a ansia, toda a loucura.
Falta a falta de fôlego.
Falta a falta.
Falta você, aonde você estiver...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Poesia sem nome nº 04


Como escalar esse muro?
Como transpor o intransponível muro que nos separa?
Realidades tão diferentes...
Mundos tão opostos...
Almas tão iguais.
Somos como fragmentos de um mesmo todo.
Somos parte e todo ao mesmo tempo.
Como impedir que a realidade continue construindo tijolos?
Como impedir que a vida construa seus próprios muros em cima de nossos sonhos?
Preciso escalar.
Mas algo me detém.
Parada, estática, imóvel.
O chão segura meus pés.
O vento segura meus cabelos.
E essa chuva que não quer cessar.
Olho para o céu.
Não é chuva, são meus olhos que insistem em derreter.
Minha alma se esvazia.
E ninguém assiste ao espetáculo da vida que acontece alheio.
E o muro cresce.
Aonde está você? Pode me ouvir aí do outro lado?
Me apaixonei por você.
Olho pra você.
Estático, parado, imóvel.
O vento mais forte leva também minhas palavras.
Imóveis, estáticas, paradas.
Toma posse de minhas idéias.
Ouço um canto surgir em meu peito.
O muro então se desfaz dentro de mim.
E a chuva cai molhando toda a minha existência.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Poesia sem nome nº 01


Eu amo.
E amo do tamanho que quero.
Amo quem quero, como quero, porque quero, porque amo.
Amo o feio e o bonito, amo um, dois, três.
Amo ser.
Amo e cresço amando.
Tenho essa necessidade inerente de amar.
De amar como se fosse a última coisa que eu fosse fazer,
No dia ou na vida. Não importa.
Tenho essa vontade de amar com gosto,
Com cheiro, com gesto.
De andar descalça.
De deitar no colo.
E essa vontade louca de me apaixonar.
E ser peixe, bolha, vento.
E ser brisa.
E beijar rostos alheios.
E ter nos lábios a ternura da vida.
E ter o tempo nas mãos.
Quero amar sem ter que ter.
E ter que ser o amor que transbordo.
Quero ser amor...
Todo dia, toda hora, todo momento.
Para sempre.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Poesia sem nome nº 02


Essa manhã acordei criança.
Brinquei como criança nos ladrilhos da calçada.
E como criança decidi meus lados.
Brancos e Pretos.
E vi o adulto dentro de mim observar a criança.
Atravessar a linha seria escolher um lado.
E a insegurança do adulto segurou a criança.
Era tão mais fácil escolher lados quando a criança comandava.
O adulto se contenta calmamente em pisar na linha.
Manter-se impávido, indeciso, imparcial.
Pisar na linha, observar os lados.
Ficar ali era como poder voltar.
Ou ir. Independente.
A não-decisão.
A criança dentro de mim não entendia o adulto.
“Não pode pisar na linha, tia”
A grande indecisão da vida.
Simples.
Olhar novamente com olhar de criança.