"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Solidão

Eu sufoco.
Respiro novamente o ar tóxico.
Eu sei que é tóxico, mas mesmo assim respiro.
É como se eu soubesse que há morte na esquina, mas ainda assim resolvesse que é uma boa ideia contorná-la.
Há vício na esquina.
Vou sufocando as palavras que sei que nunca poderei falar.
O incompreensível abraça a negação
E a falta, o vazio, o tóxico vêm.
Não sei como não me intoxicar.
O ar é doce, novo, ingênuo,
mas eu sei que o ar não me pertence,
por isso volto ao vício, ao ar viciado.
E sufoco.
O ar me escapa como já havia escapado antes outras vezes.
Mas já havia desacostumado com a falta.
Essa falta que corrói.
Será que escolhi sufocar dentro de mim mesma?
Será que sou louca por escolher sufocar?
Quem está aí? Há alguém aí?
Estou só.
E isso me sufoca.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Café

Existe algo de encantador e misterioso em pessoas que bebem café. Conheço pessoas que bebem café pelo simples hábito de beber.
Existe algum tipo de teoria que ligue o ato de beber café com o fato dele estar incutido tão profundamente em meios artísticos e criativos? Não sei, mas tenho essa impressão de que o café é de alguma forma fonte de inspiração e mantenedor da existência artística.
Já  imaginou o que seria de artistas, cineastas, designers, programadores, e toda raça de pessoas que lidam com a criatividade sem café?
Não me toca tão profundamente essa substância negra, às vezes espessa e amarga se sem açúcar.
Há quem não viva sem. Há quem o tome como vício.
Não sei do que se trata  a magia que cerca o café, mas deve fazer alguma diferença para a criatividade enfim, estou cá escrevendo sobre ele, e nem sequer senti seu cheiro hoje.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Inexistente

Como sabemos quando estamos sós?
tento alcansar palavras
claro que fogem de mim.
Estar rodeada e só ao mesmo tempo.
Olhar no vazio dos olhos inexistentes das pessoas.
Inexiste a presença fixa em mim.
Desejo sair de meu corpo e morar no corpo de outro.
Desejo morar no coração de outro.
Todos moram em mim.
Será que é tão difícil?
Descobrir que estar só não é o suficiente?
Descobri hoje que estou só.
E só permaneci, fazendo com que a noite se fechasse num preto sem fim e sem volta.
E toda essa cor se deitou em mim,
Me deixando apática aprática quando a manhã veio.

sábado, 4 de agosto de 2012

Conserto das horas


Presa em reverso
Parece que tudo está estagnado, parado.
As horas não passam, o tempo não passa,
O relógio gira seus carrascos ponteiros para o lado contrário
Sou novamente aquilo que havia deixado de ser
E novamente minha mente perturbada pelos mesmos medos do passado
Presa em reverso, presa em verso, presa em prosa,
Presa em palavras asfixiantes que se prendem em mim
Tudo se prende e assim eu mesma me prendo
Tudo retorna, aos poucos, como se não quisesse assustar.
Tarde demais, o susto foi inevitável.
O relógio gira seus carrascos ponteiros para o lado contrário,
Eu giro para o lado contrário,
E regrido.
Tornando-me novamente a criança indefesa que outrora fui.
Preciso de um coração que bata em meu ouvido,
Que me dê seu colo aconchego que desejo,
Que me envolva não só braços, mas pernas e desejo.
Que me engula e me absorva e depois me regurgite,
Quando o tempo finalmente voltará a rodar.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sonhar Alegoricamente

Quando temos demais nossos pés no chão
Não conseguimos subir alto
Sair de dentro de nós mesmos
E alcançar o mundo dos sonhos
Pois é lá onde se encontra nosso verdadeiro eu
Deixamos de vivê-lo,
Deixamos de querer entendê-lo
E só nos resta o real
O duro machucado intravenoso do real.
Vai nos corroendo pouco a pouco
Da criança que nos guia
E ficamos então cada vez mais chão
Cada vez mais duro, cada vez mais real
Tomar novamente do gargalo dos sonhos
E perceber que o sonho nunca saiu de você.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Aghata


Ao subir pelo túnel do metrô, Aghata se encontrou completamente sozinha na rua, mas não tinha problema, era sempre assim. Sempre saia à noite as ruas estavam vazias. O dia seguinte era dia de trabalho, mas ela não se importava muito. Na verdade, nada importava muito, Aghata procurava um sentido para as coisas, e ela sempre achou que era à noite que ela ia encontrar.

Atravessou a rua que ainda estava quente do sol que tinha feito durante o dia, o que não era tão comum por aquelas partes da Europa, e chegou ao outro lado quase que automaticamente. Ela já conhecia aquele caminho como conhecia o de sua casa.

Na boate clandestina no subsolo, Aghata sentiu-se em casa. Aquilo não fazia muito sentido, pois sua casa não era úmida e abafada como aquele lugar, mas sentiu-se em casa. Cumprimentou algumas pessoas e conseguiu com alguma dificuldade alcançar o centro da pista de dança.

Aghata viu o homem novamente. Ele estava, como em todas as outras noites, encostado na parede ao lado do bar, seus olhos não pareciam naturais, e sua pele muito branca chamava a atenção dela. Ela avançou na direção do homem, sentia um ímpeto que a puxava como mágica para perto do homem, e o barman lhe servia um copo de vinho.

Os dois entraram com voracidade no apartamento, a porta abriu com tal força que o som que emanou da batida na parede ecoou pelo corredor vazio. Eles estavam se beijando ardentemente e Aghata começou a tirar sua própria roupa sem muita preocupação de onde ia deixá-la.

O homem jogou Aghata contra a poltrona com certa violência, assim que ela olhou nos olhos do homem eles parecem inumanos. Aghata se encolheu na poltrona quando percebeu que um medo inexplicável começou a tomar conta dela.

O homem se aproximou e calmamente explicou para ela que há muito tempo atrás, antes mesmo do que qualquer coisa que ela possa imaginar, sua espécie foi condenada a sobreviver em virtude da espécie da mulher, e que há muito ele vinha observando-a. Sabia que ela procurava alguma coisa, e ele estava muito satisfeito em poder oferecer isso a ela.

Aghata entendeu o que o homem falava e foi começando a ficar mais confortável com o que ele dizia. Aquilo soava realmente como o algo que Aghata havia procurado por boa parte de sua vida, a forma como aquele homem vivia acima de toda a sociedade, vendo tudo como um grande jogo, como ele se tornara uma peça mais importante e mais consciente nesse jogo. Aghata queria aquilo e o homem estava oferecendo.

Sem oferecer resistência, Aghata se encostou na poltrona, o vestido segunda-pele caído abaixo de seus seios, deixando os bicos dos peitos perfeitos para fora. Ela sentiu o frio da pele do homem emanar por todo o quarto, seu corpo estremeceu, o homem parecia mais branco ainda sob aquela luz, ou será que era ele mesmo? Tudo o que Aghata havia esperado a vida toda agora poderia ser resolvido com uma simples mordida. Inclinou suavemente sua cabeça para o lado e esperou o homem sorver seu sangue, o que lhe deu um prazer inigualável.

sábado, 31 de março de 2012

Marvin


Eu estou escrevendo isso para contar a história de como Marvin acabou pulando daquela ponte, mas não estou contando isso para que vocês se compadeçam de Marvin, Marvin não era o tipo de homem do qual as pessoas se compadecem, Marvin era o tipo de homem do qual as pessoas tem inveja, e no grande momento de sua vida, foi quando, sem prévia nem aviso, Marvin acabou pulando daquela ponte.

Marvin, 22 anos, estava na NYU, mas ao contrário de seus colegas, ainda morava com sua avó, a poucos quilômetros de seu campus. O que venhamos e convenhamos, não era lá coisa muito normal por esses lados de lá.

Marvin tinha uma rotina, mas ela era raramente seguida. Para ele, rotina era o que sustentava os argumentos das pessoas sem imaginação, por isso a rotina de Marvin era apenas um papel colado na geladeira para acalmar os ânimos de sua avó e em sua cabeça seu único hábito era acordar todos os dias. E o cultivava religiosamente.

Ao contrário da maioria das pessoas de sua idade, Marvin não tinha celular, o que fazia sua vida desrotineira um ponto ainda mais complicado de se lidar: ninguém nunca sabia por onde Marvin andava. E Marvin andava.

Gostava de estar em todos os lugares e com todas as pessoas. Ele conhecia, ao que parecia, mais da metade de toda a cidade, e em todos os lugares que passava alguém já tinha ouvido falar de Marvin: uns pela vez em que ele havia tocado violão na rua para conseguir dinheiro para um corte de cabelo estilizado, outros pela vez em que ele tinha juntado cinco grafiteiros muito talentosos para pintar uma das balsas de Staten Island e outras até pelo fato de que Marvin havia sido o primeiro homem a cruzar a ponte do Brooklyn plantando bananeira.

De fato, a ponte do Brooklyn era algo constante na vida de Marvin, talvez a única coisa constante (tirando sua avó é claro), e sem dúvidas, não poderia ter sido melhor a escolha dela como ponto de despedida de Marvin desse mundo. Foi lá também, na ponte, que Marvin achou a fotografia.

Aquela fotografia era tão intrigante quanto a forma com que Marvin a achou. Poucas vezes na vida Marvin havia tropeçado. Se considerava um homem bastante equilibrado, mas naquele dia específico não pode controlar a força da gravidade que o puxou com força para a madeira dura que forrava a plataforma lateral à ponte, dedicada aos passeios dos pedestres.

Assim que caiu, os olhos de Marvin pousaram diretamente na estranha fotografia. Estava ali, gentilmente posicionada no chão entre o vão e o pé do banco. Um homem nu, uma bicicleta e aquele mesmo banco no qual Marvin se apoiava. Virou a fotografia e ali escrito leu a frase que mudou tudo.

Primeira reação, quase instintiva, Marvin olhou para os lados, mas estava sozinho na ponte, virou e desvirou a fotografia, sentou-se na cadeira, levantou-se. Repetiu aquela que imaginou ter sido a movimentação do homem da foto.

Ali, naquela posição estranhamente familiar para Marvin ele avistou, por entre as frestas da ponte o que ele sentiu estar procurando a sua vida toda, aproximou-se mais da fresta de forma que pudesse enxergar melhor, mas ainda não era o suficiente.

Quase como que em hipnose pela recém-descoberta, Marvin se aproximou da grade de proteção da ponte, colocou levemente as mãos no corrimão, tentou avistar avidamente, mas foi inútil. Pôs os pés cambaleantes sobre a madeira do corrimão, abriu os braços longamente e deixou que a gravidade vencesse outra vez, se encontrando finalmente com aquilo que mais desejava.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Árvores

Se sou semente, cresço, subo, ganho o céu.
E ao mesmo tempo estou no céu e no chão.
E como aguentar?
Também não estar nem céu nem chão,
mesmo que queira.
O chão me prende demais.
O céu me voa demais,
Mas não tenho nem um nem o outro por completo.
Metades de mim que se prendem a lados opostos,
Idéias opostas.
Ser chão e céu, ser árvore.
Ser angustiante na metade do caminho.
Meio.
Duas divisões de mim.
Sou pela metade.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Chuva

- Mas eu voltei por você!

- Não faz diferença, eu estou saindo daqui. Não aguento mais essa situação.

Tereza pega sua mala já preparada no chão da sala, coloca as chaves em cima do balcão da cozinha e sai pela porta, deixando ele completamente devastado.

Ele cai de joelhos no meio da sala que agora parece completamente vazia. Sente um aperto no peito que parece incurável. Ele leva a mão até o peito e aperta um local onde ele acha que fica seu coração, não tinha prestado muita atenção nas aulas de biologia de muito tempo atrás, não era muito bom aluno, talvez lembrasse daquela música do Milton Nascimento: “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração”, mas não tinha certeza.

A dor que sente é intensa. Ele não sabe exatamente se a dor vem do término do casamento de vinte anos ou de sua mão apertando o peito cada vez com mais força. Depois do que parece uma eternidade tentando conter a dor, ele cai exausto no chão, seu corpo se contorcendo por cima de si mesmo. A dor era real. Excruciante. Seus olhos se fecham com calma enquanto sua mente tenta afastar a dor. Mas Tereza havia ido embora, não havia mais sentido em afastar a dor. E como uma onda que engole a areia a dor tomou conta do corpo dele, fazendo-o entrar em um estado de torpor.

Seus olhos se abriram calmamente, a luz ainda muito forte o cegando um pouco. Ficou um tempo tentando se familiarizar com a luz e conseguiu, finalmente, colocar sua visão em foco, ainda um pouco tonto. Ele lembrou sonhos, imagens distorcidas de sua infância: o ano em que seus pais se separaram e como ele achou que nunca poderia sentir uma dor igual na vida, o primeiro beijo aos 12 anos, depois, aos 14 saber que nunca poderia enterrar a mãe por causa da ditadura, e como descobriu que a dor da separação de seus pais não era nada comparada a perda de um deles, aos 22, a primeira vez que viu Tereza... Tereza, uma pontada de dor surge no mesmo lugar, e assim que ele leva a mão ao peito, uma figura, de olhos verdes profundos e cabelos negros como a escuridão, aparece ao seu lado. Ele finalmente compreende, estava em um hospital.

- O que aconteceu?

- Você teve um infarto. O médico diz que você tem sorte. Se eu não tivesse voltado para pegar meu celular, você já estaria morto à uma hora dessas.

- O celular... – os dois ficam um minuto em silêncio, Tereza é a primeira a falar.

- Me desculpe, me desculpe de verdade, eu não queria causar tanto sofrimento a você. Você sempre foi bom para mim.

- Eu te amei... E amo, desde que te vi, há trinta e cinco anos atrás, naquela faculdade, você estava linda naquele dia.

Tereza parece se lembrar do dia em que viu ele pela primeira vez. Um leve sorriso surge no canto de sua boca, que rapidamente é trocado por uma cara séria.

- Você não vai me aceitar novamente, não é? Não depois de tudo o que fiz para você.

Ele olha carinhosamente para ela, mas ele sabe que jamais poderia suportar sentir outra vez uma dor tão grande quanto havia sentido, ele sabe, ela também, que aquilo voltaria a acontecer, mais cedo ou mais tarde, para ela, o amor já vinha se deteriorando há muito tempo, mas ele não enxergava, era um romântico incurável. Havia se atado tão fortemente a ela, e aquele sentimento, pois não tinha mais nada, não tinha mais ninguém.

Há tanto tempo Tereza havia sido seu porto seguro, que ele não conhecia outra casa, não conhecia outro amor. A dor havia sido muito forte, e acarretara em uma série de consequências que ele não podia se dar ao luxo de passar novamente.

Os dois se olharam carinhosamente como se soubessem que não deviam dizer nada. Tinham possuído por muito tempo um amor invejado por muitos. Agora, estava acabado.

Tereza pegou sua bolsa e se dirigiu até a porta do quarto. Antes de sair olhou para trás, viu uma última vez o homem que amara por tantos anos.

- A gente se vê por aí.

- A gente se vê por aí.

Mas os dois sabiam que aquilo não era verdade. Não se veriam nunca mais. Para qualquer um dos dois, reviver aquelas lembranças do amor perfeito que tinham seria ruim de mais. Nunca mais poderiam se ver.

Tereza fecha a porta atrás de si. Ele puxa seu cobertor e vira para o lado. Nenhum dos dois pôde conter a chuva que chegou em seguida.