"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Kar - Parte II

(Continuação da criação de um personagem para um mundo de RPG baseado em guerras e batalhas)

Precisava chamar a atenção dos mestres das sombras. Já tinha ouvido antes que havia existido um escravo que tinha sido escolhido pelos mestres, isso não passava de uma lenda, mas ela precisava tentar. Precisava vencer o torneio, mas isso, ela sabia, seria impossível, pois ela não tinha nem como entrar no torneio, afinal, não era qualquer um que o fazia, ainda mais sendo escravo. Mas nada a impediria e ela soube disso no mesmo momento em que seu algoz o descobriu. Havia ouvido naquela semana que tropas aliadas a ele estavam se movimentando em terras proibidas para fazer uma troca de escravos com alguns magos.

Magos! Ela sabia que tinha então uma carta na manga. Qualquer interação com aqueles que se chamavam magos nessa terra era proibida e a grande fera estaria morta antes que pudesse segurar o chicote, caso ela abrisse a boca. Para a sua sorte, seu algoz não era a pessoa mais inteligente do mundo e caiu em sua armadilha perfeitamente. Um dia em que o sol formava sombras especialmente densas ela conseguiu esgueirar-se do lugar onde se encontrava trabalhando até se aproximar da grande fera (o algoz gostava que seus escravos o chamassem assim). A fera se assustou ao ver a menina, mas antes que a ponta de cravos do chicote cravasse em seu dorso ela esgueirou-se para o lado, fazendo com que a ponta passasse a centímetros de seu pé.

- Tenho uma proposta para o senhor. – disse a menina encolhida nas sombras.

- Volte ao seu trabalho humana, ou serei obrigado a matá-la.

- Eu ouvi dizer que é proibido contrabandear escravos para os magos, e acho que os mestres dragões vão ficar muito irritados com a sua falta de lealdade à Mórfilis, grande fera.

A fera olhou com ódio para a menina. Nesse momento ela sabia que havia conseguido sua atenção, era só uma questão de pisar com calma nos próximos momentos.

- Mas isso não precisa acontecer. O senhor pode ser uma fera muito rica. Poderia até, quem sabe, subir de patente. Ser um general um dia. Sei que a grande fera gostaria muito de ouvir seu nome dito dessa forma. General Kerkar.

- General Kerkar... – disse a fera saboreando cada sílaba – Soa muito bem realmente. Mas você não tem como provar que o que diz é verdade, ratazana. Por que eu iria fazer qualquer tipo de acordo com você?

- O senhor está se esquecendo, general Kerkar? – ela sabia que ele gostava da forma como aquilo soava, só lhe faltava mais um empurrãozinho – O fato é de que o senhor sabe como esse tipo de acusação envolvendo magos é investigada, ou não é investigada – fazendo um movimento de cortar a garganta com o dedo – se o senhor me entende. Só precisaria que o rumor se espalhasse. E além disso, o senhor está se esquecendo da parte mais importante: como posso fazê-lo um homem rico. E essa é a parte simples: o senhor só precisa pagar o preço de sangue para que eu possa entrar no Torneio do Armagedon. Se eu perder, o senhor não tem com o que se preocupar, e não perderá muita coisa, afinal, não sou a melhor de suas escravas e o senhor e eu temos consciência disso, e se eu ganhar, bem, se eu ganhar, posso pedir qualquer coisa que o senhor quiser como prêmio.

- E a história?

- Jamais será ouvida por qualquer um.

- Hahaha. Não posso deixar de admitir que será prazeroso vê-la morrer.

Fazia, desde então, cerca de dez anos desde que tivera aquela conversa com Kerkar, e tudo havia saído mais ou menos como planejava. Havia conhecido segredos de pessoas importantes por todo o continente graças ao seu envolvimento com os hassassins, e isso a manteve viva por todos esses anos.

Os passos doíam no amanhecer do quarto dia, mas sabia que não podia desistir. O corpo de Kerkar pesava sobre o seu, mas estivera todo esse tempo à espera desse ritual. Vira sua própria morte muito próxima nesses últimos dias e tinha conseguido esquivá-la. Cruzar com um viajante errante fora, sem dúvida, a salvação do último dia, e nunca esteve tão feliz quanto quando cortou sua garganta e bebeu da fonte de água rubra e ferrosa que a morte lhe oferecera. A água do viajante deveria ser o suficiente até o final da viagem.

Achou por duas vezes que vislumbrava um dos mestres no horizonte, mas atribuiu as visões ao calor nauseante do deserto. Havia ouvido falar das visões de deserto e pode comprovar que eram verdadeiras as histórias, não que isso fosse muito reconfortante. O sol que nunca se movia como era conhecido pela maioria do povo ignorante dos reinos castigava no horizonte atrás de suas costas e ela ficou aliviada quando no dia anterior haviam chegado a uma região costeira, não podia entrar na água, claro, já que essa esbravejava contra as pedras da encosta a uns quinze metros abaixo, mas o encontro com a brisa marinha tinha animado-a.

Não muito depois alcançou a entrada do templo das sombras, o lugar de repouso de seus mestres. Depositou o corpo de Kerkar na entrada, no altar dos sacrifícios, e dirigiu-se descalça à câmara interna, onde deveria encontrar os mestres. E lá estavam, como esperava que estivessem.

- Cinquenta e oito dias e treze horas. É um recorde. Não esperávamos menos de você. – disse um daqueles.

- De fato. Teve momentos em que pensamos que já estava morta, mas as visitas que fizemos nos comprovaram de que ainda lutava contra ela.  – disse outro.

- Venha, criança. Não se pode considerar-se um verdadeiro hassassin antes que se tenha conhecido a morte de perto. E você, criança, fez mais que isso, você usou a morte como forma de continuar viva. Você bebeu a morte e renasceu como uma de nós. O sangue é seu, e todo o sangue de seus inimigos te pertence a partir de agora. Faça com que suas sombras se juntem às sombras de todo o mundo de Mórfilis e que se curvem à um bem maior. O mundo é seu, faça bom uso dele.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Kar - Parte I

(Criação de personagem para mundo de RPG baseado em guerras e batalhas)

O cheiro putrefato da morte estava ali. Não fora como nenhuma das outras vezes, podia sentir. Aquele cheiro. Entranhava-se em suas roupas, em seu cabelo, em sua carne. Não se importava, convivia bem (pensando-se que o ato de conviver não se resume apenas à “com viver”) com os mortos.

Já estava com aquele corpo para além do que achava necessário, mas aquele era mais um dos testes, os intermináveis testes. Precisava se acostumar com o cheiro da morte, disseram. Aquilo não seria um problema, tinha contestado, seu olfato já não era mais como nos primeiros anos. Não se importavam os mestres, o ritual tinha que ser concretizado de forma satisfatória.

De forma satisfatória... Aquelas palavras haviam perpassado sua cabeça nos primeiros dias: o que era satisfatório para aquela gente? Peraí. Pra começo de conversa nunca havia pensado que eles pudessem sentir satisfação em primeiro lugar. Bem, mas ali estava a frase, e depois das primeiras semanas parou de pensar naquilo.

Com o tempo entendeu que além do cheiro a morte deixava outras marcas. O sangue que nas primeiras horas havia corrido em pequenos rios pelo chão de terra, agora havia se transformado em negros cristais que emolduravam o quadro de uma morte perfeita. O sorriso debochado no rosto do homem, também agora parecia psicopata já que a pele ressecada de seu rosto havia aberto ainda mais o sorriso e os olhos o deixando com uma expressão endemoniada.

Não se incomodava com a cena, nem com o corpo, nem com o cheiro, mas havia sido difícil conseguir comida nos últimos dias sem conseguir sair por muito tempo daquele lugar. Quatro semanas haviam dito, quatro semanas e voltariam para buscar o corpo. Não que ela tivesse como ter certeza de como se contava o tempo no deserto, já que o sol nunca saia de sua posição, mas tinha bastante treinamento de campo e podia fazer algumas aproximações. Já haviam passado sete semanas e três dias em sua contagem e nem sinal dos mestres. Nos primeiros dias tinha sido fácil arrumar comida, chamados pelo cheiro do sangue muitos animais tentaram se aproximar e sofreram um fim trágico. Mas depois que o corpo começou a cheirar naquele calor foi ficando cada dia mais difícil conseguir comida. Água então... Ficava grata pelo fato de que tinha uma habilidade especial que fazia com que conseguisse se manter mais tempo sem água, sem isso, sabia, já não seria mais.

Estava cansada de esperar. Não. Estava na verdade entediada. Não gostava daquele lugar. Havia se adaptado muito bem ao conhecimento das sombras, e aquele deserto onde o sol castigava vinte e quatro horas por dia não lhe agradava nem um pouco. Precisava se alimentar e começava a pensar que talvez nenhum animal fosse voltar ali, talvez nunca mais. E não se arriscava a deixar o corpo, ele deveria estar intacto para os mestres.

Decidiu que não esperaria mais. O tempo já havia passado e sabia no fundo que os mestres não viriam. Limpou o corpo o melhor que pode tirando as larvas que pareciam ter crescido magicamente nos ferimentos e esfregando um pouco de areia para limpar as partes mais nojentas. Colocou o corpo nos ombros de forma que pudesse carrega-lo sem fazer muito esforço dos braços (podia precisar deles no deserto e era bom que não estivessem cansados de carregar um morto qualquer), virou as costas para o sol, porque seria incapaz de caminhar olhando para ele e começou sua caminhada.

Se o que pensava estava correto iria levar cerca de quatro dias para chegar até o covil carregando aquele corpo. Teria que dar.

O sol era implacável, e as memórias foram surgindo sem serem convidadas. Havia passado a maior parte da vida até então como uma completa desconhecida. Ninguém a via. Desde criança havia ouvido falar dos lendários hassassin e tinha inventado ela mesma uma forma de se “esconder nas sombras”. Nada comparado à habilidade em si de dobrar as sombras a seu favor, mas servia para alimentar-se e ouvir conversas que não deveriam ser ouvidas.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A vida na pia

Cai do corpo
Rola a pia
Bebo e sorvo
Chora a filha

Ando Errado
Quem diria?
Vidro quebrado
Mais um dia

Sangro e piso
Sangra e ria
E o pulso rasgado
E mais um dia

"Dá um cortado!"
E já vazia?
E vai pro trabalho
Segura a guia

Passa a estrada
E a rodovia
Se tivesse férias
Viajaria

Trabalha na noite
trabalha de dia
Esquece a escola
Quem não faria?

As letras dançavam
Como poderia?
Talvez se quisesse
Também dançaria

Lembrando o homem
Que a amaria
Largou-a sozinha
Cuidando da cria

Depois ela viu
Que nada comia
E chorou sozinha
E caminhou na via

A noite escura
Que a bolsa enchia
E choro e dor
Jã não mais sentia

Olhar perdido
Tem sangue na pia
A água corre
Barriga vazia

E emocionada
A vida na via
Mas não passou nada
É o mesmo dia

O sangue no piso
O choro da filha,
A vida se vai
E nunca passou o dia.


sábado, 23 de novembro de 2013

And the Oscars goes to...

Na semana passada resolvi que ia assistir ao novo filme "Em Chamas" no dia da estreia. Era óbvio que eu iria me chatear: a gritaria a vergonha alheia me atingiriam com a mesma força. Mas fui mesmo assim, queria muito ver o filme.

Ao sair do filme, fui ao banheiro pensando que estaria livre finalmente dos comentários idiotas das pessoas do cinema. O quão enganada eu não me descobri quando enquanto saia do banheiro ouvi duas meninas conversando.

- Ah, eu achei a atuação da Jennifer (Lawrence) muito fraca! - comentava a primeira

- Que isso? Ela foi ganhadora do Oscar!  - dizia visivelmente afetada a segunda.

Ganhadora do Oscar. Fiquei eu pensando enquanto voltava para casa. Eu concordava com a primeira menina, a Jennifer Lawrence estava canastrando demais no filme e como muitos de meus amigos sabem eu simplesmente acho que ela é atriz errada para o papel à começar por sua constituição física (mas isso fica pra outra conversa). O fato é de que ao lado de Woody Harrelson, Elizabeth Banks e Josh Hutcherson, a queridinha da américa Jennifer Lawrence aparece como uma atriz despreparada e canastrona.

Mas isso apenas me levou ao problema principal daquela conversa: quando vamos parar de achar que o Oscar é um medidor de qualidade (e não apenas um muquifo onde ganha quem paga mais)? E quando vamos parar de achar que só porque um ator venceu o Oscar ele será um excelente ator para sempre? Dentre outras coisas de que o ator depende para uma boa atuação, está diretamente ligada a atuação do diretor em sua direção de atores e isso pode estragar a atuação de qualquer ator.

Caso não acreditem nisso, entre outros exemplos, posso dar o de "O Quarto do Pânico" onde ninguém mais ninguém menos que a Srta. Cullen, Kristen Stuart tem uma atuação brilhante ao lado de Jodie Foster, e depois que cresce nos presenteia com sua incrível cara de "vou vomitar à qualquer momento" de Crepúsculo. Não é pra menos, acho que se eu tivesse que contracenar com o também sem sal, Robert Pattinson, eu faria a mesma cara.

O fato é: a cerimônia do Oscar não necessariamente premia os melhores atores do ano, e os atores que o Oscar premia não necessariamente são bons ou seguirão sendo bons para sempre. Então não creio que usar a desculpa de que o ator/atriz ganhou o Oscar é de fato um bom argumento, até mesmo para quem não entende de cinema.

Não me leve a mal, eu mesma assisto a cerimônia do Oscar todos os anos e adoraria ganhar um, óbvio. Acho divertido na maioria das vezes, gosto de ver as atuações dos apresentadores e as apresentações de música que rolam, mas se fosse pra escolher talvez eu escolhesse o Taurus World Stunt Awards, o prêmio dos dublês.

Sei que um monte de gente já sabe disso tudo que eu falei e vai achar chato e repetitivo. Tô nem aí. Só queria mesmo é falar e ponto.

Mas pelo amor de deus, gente, parem de usar essas premiações e comentários de apresentadores do video show como desculpa para justificar a canastrisse desses atores.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Não dar-te-ei

Não te darei ouvidos, nem orelhas.
Não te darei mãos nem pés.
Não te darei bola ou jogo.
Não te darei tempo nem espaço.
Não te darei meu coração ou meu bem estar.
Não te darei nem ódio, nem rancor.
Não te darei nem bom dia, nem boa sorte.
Não te darei cartas ou bilhetes.
Não te darei um olhar ou um aceno de mão.
Não te darei nada,
não te darei porque você não merece.
Não te darei porque você não existe.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Desembaralho

Ela me avisa que vai falar sobre a visão
Sobre a análise da juventude e o amadurecimento
Foi ela ainda não
É isso Thaís, sem problemas, mas
Como se você fosse estar tão feliz
Pelo menos suspeitar! Por que? Você é, é. 
Descobri meu cartaz e minha realidade 
É o Portão de Ícaro
Quando você diz por mim 
Que é o nosso destino no decote dela
Eu não vi essa, não parei para pensar nisso.
Eu não fiz, e acho que não
Tava falando com as tão tortuosas linhas da vida
Vou tentar essa
Pra quem não acredita
Não deixe seus sextos sentidos
Não deixe seus ouvidos sangrarem...
Isso é que é.
Se eu gostei?
Não consigo gostar,
Um frio bizarro.


*Feito com o What would I say?

sábado, 3 de agosto de 2013

Meu caminho de pedras

Quanto mais pedras deixo no meio do caminho,
Mais pedras teimam em ficar na bagagem.
Será que um dia poderemos caminhar sem pedras?
Sinto o peso do mundo nessas pedras.
Cada uma tão significativa e ao mesmo tempo tão inúteis.
Não creio que construo uma escada
Mas sim uma imensa ponte, que me leva apenas de aqui para lá
Saindo de nenhum lugar e chegando a lugar nenhum.
Essas pedras não deveriam fazer parte de mim
Mas as carrego mesmo assim.
Talvez a caminhada seja mesmo mais lenta para alguns.
Ou quem sabe não está simplesmente na hora de parar de enganar-me e jogar as pedras fora?
Talvez esse seja o segredo do caminho.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Faz frio

Viro os olhos enquanto durmo.
Não estou em casa.
Alguma vez estive?
Não sei o que é casa.
A casa está dentro de nós mesmo ou do outro?
Queria viver nos corações alheios.
Nas casas alheias.
Queria novamente a sensação do conforto.
Não a tenho.
Procuro em vão, e bato em outras portas.
Só uma me interessa.
Essa que está sempre fechada.
Tento uma, duas, três vezes.
As paredes se fecham contra mim,
Me sufocam.
É impossível viver em mim.
Alguém está por aí?
Quero um coração, quero um lar.
Quero uma mão e um abraço que me procurem durante a noite.
Enquanto isso estou aqui,
vivendo do lado de fora do meu próprio lar.
Meu próprio coração,
e como é frio...

terça-feira, 30 de julho de 2013

A arte de caminhar

Caminha,
que caminhando tudo muda.
Tentei caminhar por terras que não me pertenciam,
Tudo mudou.
Tudo se muda muito mais do que se espera.
E na verdade nada muda.
É tudo o mesmo, como sempre foi.
O medo é o mesmo, o caminhar é lento.
O pisar é cuidadoso.
Creio que ainda não aprendi a pisar,
Sempre algo dá errado.
O caminhar é tortuoso e as vezes me sinto voltando ao mesmo lugar.
Tudo tem as mesmas cores,
o mesmo gosto amargo na boca.
E ao mesmo tempo tão distinto que não saberia explicar.
O caminhar me esgota, me engole, me afoga.
Mas não é esta a graça de caminhar?
Dar-se  contra paredes invisíveis,
estar frente a frente com aquilo que não se pode ver.
Caminhar é cair, e cair, e cair,
E as vezes levantar,
e perceber que de verdade nunca começamos a caminhar.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Ondas

É essa a onda,
Essa que traga tudo
que arrasta, que leva e que deixa.
Leva tudo aquilo que sou, ou que deveria ser.
Leva tudo aquilo em que acredito,
E me deixa nua, a mente nue, a verdade nua.
Me mostra como sou.
Essa é a onda.
Me descara, me escancara e me desnuda.
Estou nua, as emocoes a flor da pele
Estou carne e ferida.
Estou a um olhar de me afogar.
Mas a onda continua...
Como se nunca soubesse que podia me ter esse efeito.
Mas a possibilidade de nadar é sempre maior.
Ou pelo menos a vontade de nadar é sempre maior.
E aforgar-me.
Ai onda, pra onde me levas?
Quero ficar-me aqui. Nao me despedace. Nao me desapareca.
Nao me ondes
Me desondeca.

domingo, 28 de julho de 2013

Fugiste de mim

Fugistes de mim
Saístes a tragar outra verdade
Pode ser que tenha sido a sua verdade, mas não era a minha.
A minha verdade era você, e fugistes.
Tenho medo, assim como todos têm medo.
Mas não o tenho por aquilo que dirás,
Mas sim por tudo aquilo que silencias,
Silencias os meus gritos, o nó na minha garganta,
Silencias a impossibilidade.
Silencias os erros e as perfeições,
Silencias o estar, o ser, o saber.
E foges silencioso.
Não sei porque foges, mas foges.
E a cada tragada da sua verdade,
Deixa um pouco mais das outras verdades para trás.
E foges aí em sua verdade,
Me deixando sozinha, como na verdade, eu sempre fui.


(versão original em espanhol)

terça-feira, 7 de maio de 2013

Medos de Criança

Esses dias estive conversando com um amigo sobre medos de criança. Eu não sou mais criança (pelo menos não na idade), mas esses medos continuam me atacando da mesma forma. Tenho um medo de escuro sem tamanho, do que está ali e eu desconheço.

Outro dia estava em casa, a irmã que dorme comigo em meu quarto não estava, estava com minha avó, meu quarto é o único no andar de baixo da minha casa. O muro é relativamente baixo.

Faltou luz. Calor reconhecidamente insuportável do Rio de Janeiro. Solução: dormir com a janela aberta. O ar-condicionado não funcionava, o ventilador estava quebrado, e mesmo que funcionasse não adiantaria ligá-lo, como disse antes, não havia luz.

Me deitei na cama e assisti um último episódio de série antes que a bateria do meu netbook acabasse. Acabou. Fiquei no escuro.  Aos poucos uma chuva rala, sem força foi caindo do lado de fora. Eu sozinha, olhando para o teto.

Ouvia as gotas de chuva caindo no telhado do orquidário da minha mãe. Para mim eram verdadeiramente barulhos de uma pessoa tentando pular meu muro. Não muito tempo depois comecei a ouvir barulhos dentro da casa, dentro da cozinha, como se houvesse alguém tentando encontrar alguma coisa. Provavelmente meu pai fazendo leite para o meu irmão ou buscando água para a minha mãe, ou quem sabe mesmo era o hamster do meu irmão rodando incessantemente na rodinha que arrasta na gaiola.

Fossem o que fossem os barulhos eu permaneci em minha cama mirando o teto. A espinha congelada até a cabeça, os músculos retesados, o medo nu e cru de levantar-me da cama e dar de cara com um assaltante, um assassino, um estuprador, ou pior, um espírito.

Puxei meu cobertor até o queixo mesmo com todo o calor que fazia. Pensei comigo mesma: "Que idiotice! Como se esse cobertor fosse te salvar de alguma coisa!". E ao mesmo tempo tentava me convencer de que se eu ficasse bem quietinha e não me mexesse o que quer que estivesse em minha cozinha não ia me ver ou ouvir. Continuei segurando fortemente meu cobertor.

Falando com esse amigo, meses depois voltei a me perguntar e ele também ficou se perguntando porque será que temos esse impulso tão grande de nos agarrar ao cobertor e essa crença maior ainda de que isso vai fazer alguma diferença em casos de perigo. Conversamos sobre isso um tempo e chegamos também a conclusão de que muitas pessoas tem essa necessidade de dormir com algo que pese sobre ela, se não "pese" que pelo menos seja mais pesado e mais grosso que um simples lençol.

O fato é que recentemente estava em um momento entre o sonho e o despertar e me veio exatamente a mente algo que eu acredito é uma ótima desculpa para esse comportamento, principalmente quando pequenos. Necessitamos de um útero que nos acolha.

Passamos os primeiros nove meses de nossa vida dentro de um útero quentinho, nadando, que nos fornece proteção e nos mantém apertadinhos enquanto dormimos. O primeiro contato que temos com o mundo é uma luz muito forte, uma sensação de frio e uma dor que se sente quando se respira pela primeira vez. O mundo para um bebê deve ser extremamente assustador. Imagina, é como se alguém te arrancasse da sua cama no meio da noite de uma noite muito fria de inverno te molhasse com um balde de água e te fizesse respirar essa água imediatamente após enfiar uma lanterna neon na sua cara. E vamos adicionar a isso tudo o fato de que você provavelmente estava sonhando algo muito bom. Pois é, não deve ser das sensações mais agradáveis do mundo.

Muita gente nesse mundo passa a vida tentando encontrar de volta a sensação de segurança que sentia antes de nascer, eu acho que nesse sentido o cobertor para a criança (e para mim agora depois de adulta ainda) é uma forma de chegar o mais próximo possível da sensação de ter um útero quentinho para te proteger.

É como ter de volta a sua mãe cuidando de você e te fazendo acreditar que nada nesse mundo pode encostar em você ou pode te ver. Quem não quer se sentir seguro? Quem não quer se sentir amado? Mesmo que seja uma ilusão causada pela presença de um cobertor a te envolver durante a noite. Para alguns depois esse cobertor passa a ser alguém, e talvez a sensação melhore, mas eu creio que isso tudo surge daí, desses nove meses de mãe. O que infelizmente para mim, ainda não me explica meu medo de escuro.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Post Passus

Meu passado me corrói por dentro
E mesmo que eu não queira ele volta, silencioso, programado.
É como esperar que se tenha dias felizes, mas não tê-los.
Tocar a grama molhada com os pés descalços e ser picado por uma formiga.
O passado é assim, pelo menos o meu.
Me dá tempo suficiente para me sentir livre,
E fecha as portas para que eu veja a liberdade através das grades.
Ou será que sou eu mesma quem põe as grades?
De onde veem essas grades?
Sem que eu perceba elas já estão aí.
Outro dia sonhei com liberdade.
Tinha um gosto tão de vento, tão de voar.
No sonho encontrava um pêssego,
e tinha todo o gosto da vida. 
Um cavalo branco que cavalgava tranquilo.
Era disso que o sonho tinha gosto.
E na mesma manhã acordei.
Com gosto de liberdade e visão de passado.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Terra Estrangeira

Nunca o sentido de viver fez tanto sentido pra mim. Estar em outro país, falar outra língua, trabalhar para poder morar em algum lugar, isso é de fato muito diferente do que eu fazia no Brasil.

Os brasileiros sempre comentam como os Argentinos são tão diferentes de nós, mas a verdade é que somos tão parecidos que nem nos damos conta.

Claro, há pequenas diferenças, caso contrário estaríamos em um só país, mas de verdade, é quase tudo o mesmo: as mesmas ruas, os mesmos metrôs, os mesmos trens, as mesmas pessoas legais, metidas, enfadonhas, enojantes, inteligentes e solidárias que conhecemos tão bem. Os estereótipos estão por todo lugar.

Nunca foram tão verdadeiros todos os dizerem sobre os seres humanos serem todos iguais. Nós somos todos iguais.

É uma terra estrangeira, mas, talvez pela presença constante dos meus amigos pela internet, eu tenho a sensação de nunca ter saído de casa. É realmente impressionante quando um país pode te fazer sentir em casa.

Não que eu não me sinta estranha, estrangeira, quando eu vou à uma aula e todos lá falam tão diferente daquilo com o qual estou acostumada. Claro que dá saudade de casa, dos pais, dos irmãos, claro que a água ter um pouco mais de sal e a comida ser um pouco cara me faz ter saudade de poder fazer compras no mercado com o cartão do meu pai e não ter que me preocupar com um monte de coisas.

A rixa entre brasileiros e argentinos pode ser muito verdadeira para alguns, pode ser uma farsa para outros, e pode até ser uma brincadeira para mais alguns, mas aqui nunca fui recebida com nada menos do que uma mão estendida e um sorriso no rosto.

Obviamente nada daqui poderia substituir aqueles amigos que eu deixei no Brasil, mas a experiência é válida, e me enche os olhos. Cuidar-se a si mesmo (o que é uma redundância aceita na língua castellana), é de fato uma experiência encantadora. Não sei o que será daqui pra frente, mas já sou diferente.

Pode ser que alguns que leiam isso não concordem comigo, pode ser que amanhã eu não concorde comigo mesma, mas de uma coisa eu tenho certeza, eu estou pronta para a aventura.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Fome de Madrugada


Sinto fome de madrugada,
de estar aqui e sentir a noite em sua plenitude,
de olhar pro céu e  ver estrelas tão grandes que me encham o espírito.
Sinto fome de madrugada,
e é uma fome tão grande que a lua cheia não seria capaz de me saciar.
Sinto fome de um colo
que me deite a cabeça e me abrace forte
para que todos os medos pareçam infantis e bobos
sinto fome de madrugada
e de todas as surpresas que a noite traz
Sinto fome de madrugada
e apenas a noite é capaz de me saciar.