"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

1011

Andou pela calçada pensando se aquilo seria o melhor a se fazer. Não teve dúvidas: já havia pensado nisso tantas quantas vezes podia e havia sido a coisa mais acertada que podia fazer.

O dia estava branco. Gostava de dias brancos, lembrava-lhe de outras pessoas de sua vida, lembrava-lhe de músicas, lembrava-lhe de sonhos.

Um pequeno cachorro quase esquelético atravessou a rua em sua frente, percebeu que o cachorro a seguia já a algum tempo. As vezes ele a olhava como se quisesse que ela ficasse para sempre... Ela sabia que não podia, tinha muitas coisas a fazer, tinha que quebrar alguns corações ainda, o dele não seria o último.

Caminhou pelo calçadão da praia. As crianças brincavam felizes na areia, alheias a tudo o que acontecia em seu pequeno grande coração. Estava apertadinho no peito, como se tentasse ficar quietinho para que ninguém pudesse ouvi-lo.

Alguns meninos jogando vôlei na praia ignoraram completamente a existência dela. Melhor assim, não sabia o que falar nessas ocasiões, era tímida, aos seus próprios olhos.

Tinha vontade de encontrar um amigo de infância, qualquer um. Não sabia porque, mas queria, e ela era assim, sentia essas vontades do nada. E enquanto não sanava o desejo não sossegava. Naquele dia ela não teria escolha, não havia a menor possibilidade. Teria que engolir a vontade a seco.

Levava na mão os cadernos da faculdade. Papéis, sempre papéis, e inteminavelmente eles continuavam a aparecer em sua vida. O primeiro papel como atriz, o papel avisando que havia passado no vestibular, o papel que dizia qual era o seu nome, o papel que ela exercia na comunidade. Sempre os papéis de sua vida.

Como não podia deixar de ser, lhe entregaram milhões de papeizinhos na rua.

Quase sem perceber ela chegou ao prédio em que ele morava. Era seu genitor, mas ainda assim parecia um completo estranho aos seus olhos. Aquele assunto teria que ser resolvido naquele dia, era o único dia, ela precisava ficar livre dele. Não suportava a idéia de estar ligada a alguém que não estava nem aí.

Adentrou o elevador e sem pestanejar apertou o andar tão temido por tantos anos. Tantos anos evitando estar naquele lugar. Lá lhe trazia tantas lembranças. Lembranças que havia lutado praticamente sua vida toda para esquecer.

O elevador abriu. Hesitante ela deu o primeiro passo em direção ao seu futuro, para fora do elevador. Chegou ao apartamento: 1011. Aquele número lhe assombrava, hoje seria o fim do pesadelo.

Levantou a mão trêmula, olhou para o chão como quem pensasse que aquela não havia sido sua melhor idéia, abriu a boca para resmungar algo para si mesma mas sabia que não era necessário, já havia repetido a mesma ladainha diversas vezes. Sabia exatamente o que dizer quando o encontrasse.

Não chegara tão longe para mudar de idéia. Aproximou a mão da campainha.

O alarme soou longe, preparando o cenário para o inevitável.

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