"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

terça-feira, 7 de maio de 2013

Medos de Criança

Esses dias estive conversando com um amigo sobre medos de criança. Eu não sou mais criança (pelo menos não na idade), mas esses medos continuam me atacando da mesma forma. Tenho um medo de escuro sem tamanho, do que está ali e eu desconheço.

Outro dia estava em casa, a irmã que dorme comigo em meu quarto não estava, estava com minha avó, meu quarto é o único no andar de baixo da minha casa. O muro é relativamente baixo.

Faltou luz. Calor reconhecidamente insuportável do Rio de Janeiro. Solução: dormir com a janela aberta. O ar-condicionado não funcionava, o ventilador estava quebrado, e mesmo que funcionasse não adiantaria ligá-lo, como disse antes, não havia luz.

Me deitei na cama e assisti um último episódio de série antes que a bateria do meu netbook acabasse. Acabou. Fiquei no escuro.  Aos poucos uma chuva rala, sem força foi caindo do lado de fora. Eu sozinha, olhando para o teto.

Ouvia as gotas de chuva caindo no telhado do orquidário da minha mãe. Para mim eram verdadeiramente barulhos de uma pessoa tentando pular meu muro. Não muito tempo depois comecei a ouvir barulhos dentro da casa, dentro da cozinha, como se houvesse alguém tentando encontrar alguma coisa. Provavelmente meu pai fazendo leite para o meu irmão ou buscando água para a minha mãe, ou quem sabe mesmo era o hamster do meu irmão rodando incessantemente na rodinha que arrasta na gaiola.

Fossem o que fossem os barulhos eu permaneci em minha cama mirando o teto. A espinha congelada até a cabeça, os músculos retesados, o medo nu e cru de levantar-me da cama e dar de cara com um assaltante, um assassino, um estuprador, ou pior, um espírito.

Puxei meu cobertor até o queixo mesmo com todo o calor que fazia. Pensei comigo mesma: "Que idiotice! Como se esse cobertor fosse te salvar de alguma coisa!". E ao mesmo tempo tentava me convencer de que se eu ficasse bem quietinha e não me mexesse o que quer que estivesse em minha cozinha não ia me ver ou ouvir. Continuei segurando fortemente meu cobertor.

Falando com esse amigo, meses depois voltei a me perguntar e ele também ficou se perguntando porque será que temos esse impulso tão grande de nos agarrar ao cobertor e essa crença maior ainda de que isso vai fazer alguma diferença em casos de perigo. Conversamos sobre isso um tempo e chegamos também a conclusão de que muitas pessoas tem essa necessidade de dormir com algo que pese sobre ela, se não "pese" que pelo menos seja mais pesado e mais grosso que um simples lençol.

O fato é que recentemente estava em um momento entre o sonho e o despertar e me veio exatamente a mente algo que eu acredito é uma ótima desculpa para esse comportamento, principalmente quando pequenos. Necessitamos de um útero que nos acolha.

Passamos os primeiros nove meses de nossa vida dentro de um útero quentinho, nadando, que nos fornece proteção e nos mantém apertadinhos enquanto dormimos. O primeiro contato que temos com o mundo é uma luz muito forte, uma sensação de frio e uma dor que se sente quando se respira pela primeira vez. O mundo para um bebê deve ser extremamente assustador. Imagina, é como se alguém te arrancasse da sua cama no meio da noite de uma noite muito fria de inverno te molhasse com um balde de água e te fizesse respirar essa água imediatamente após enfiar uma lanterna neon na sua cara. E vamos adicionar a isso tudo o fato de que você provavelmente estava sonhando algo muito bom. Pois é, não deve ser das sensações mais agradáveis do mundo.

Muita gente nesse mundo passa a vida tentando encontrar de volta a sensação de segurança que sentia antes de nascer, eu acho que nesse sentido o cobertor para a criança (e para mim agora depois de adulta ainda) é uma forma de chegar o mais próximo possível da sensação de ter um útero quentinho para te proteger.

É como ter de volta a sua mãe cuidando de você e te fazendo acreditar que nada nesse mundo pode encostar em você ou pode te ver. Quem não quer se sentir seguro? Quem não quer se sentir amado? Mesmo que seja uma ilusão causada pela presença de um cobertor a te envolver durante a noite. Para alguns depois esse cobertor passa a ser alguém, e talvez a sensação melhore, mas eu creio que isso tudo surge daí, desses nove meses de mãe. O que infelizmente para mim, ainda não me explica meu medo de escuro.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Post Passus

Meu passado me corrói por dentro
E mesmo que eu não queira ele volta, silencioso, programado.
É como esperar que se tenha dias felizes, mas não tê-los.
Tocar a grama molhada com os pés descalços e ser picado por uma formiga.
O passado é assim, pelo menos o meu.
Me dá tempo suficiente para me sentir livre,
E fecha as portas para que eu veja a liberdade através das grades.
Ou será que sou eu mesma quem põe as grades?
De onde veem essas grades?
Sem que eu perceba elas já estão aí.
Outro dia sonhei com liberdade.
Tinha um gosto tão de vento, tão de voar.
No sonho encontrava um pêssego,
e tinha todo o gosto da vida. 
Um cavalo branco que cavalgava tranquilo.
Era disso que o sonho tinha gosto.
E na mesma manhã acordei.
Com gosto de liberdade e visão de passado.