"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poesia sem nome nº 03


Escrever é juntar palavras e vírgulas e pontos.
Numa seqüência lógica.
Escrever é desapegar-se...
De si mesmo.
Esquecer-se que existe e colocar-se no papel.
Esvaziar-se.
Escrever é como poder tudo, a qualquer hora.
Escrever é ser livre para buscar o infinito todo dia, e voltar a tempo de entrar em si mesmo [como é necessário todo dia fazer.
É fechar os olhos e imaginar palavras.
É conseguir expressar aquilo que te atormenta ou que te eleva.
É deixar-se para trás e buscar-se mais à frente.
É como contrariar o inevitável.
E ser vilão e herói.
E amar e odiar.
Escrever é retratar a vida. A sua ou a do outro.
Quero poder me transmutar em palavras diariamente. Quero escrever-me.
Quero que me leiam todo dia.
Quero ser verso, refrão, poesia.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DesRepetição


Se eu pudesse desmistificar o meu corpo,
e atrelar-me ao não-físico, ao teórico, ao sentimental.

Se eu pudesse desestabilizar a sociedade,
e repensá-la como minha, como eterna, como fácil.

Se eu pudesse desgostar a carne,
e reformá-la em mim, em você, na cama.

Se eu pudesse destratar o futuro,
e remoldá-lo sucinto, breve, passado.

Se eu pudesse desestagmatizar você,
e restaurá-lo todo, meu, aqui.

Se eu pudesse...

Mas eu não posso,
por isso mistifico, estabilizo, gosto, trato, estagmatizo,
você.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

1011

Andou pela calçada pensando se aquilo seria o melhor a se fazer. Não teve dúvidas: já havia pensado nisso tantas quantas vezes podia e havia sido a coisa mais acertada que podia fazer.

O dia estava branco. Gostava de dias brancos, lembrava-lhe de outras pessoas de sua vida, lembrava-lhe de músicas, lembrava-lhe de sonhos.

Um pequeno cachorro quase esquelético atravessou a rua em sua frente, percebeu que o cachorro a seguia já a algum tempo. As vezes ele a olhava como se quisesse que ela ficasse para sempre... Ela sabia que não podia, tinha muitas coisas a fazer, tinha que quebrar alguns corações ainda, o dele não seria o último.

Caminhou pelo calçadão da praia. As crianças brincavam felizes na areia, alheias a tudo o que acontecia em seu pequeno grande coração. Estava apertadinho no peito, como se tentasse ficar quietinho para que ninguém pudesse ouvi-lo.

Alguns meninos jogando vôlei na praia ignoraram completamente a existência dela. Melhor assim, não sabia o que falar nessas ocasiões, era tímida, aos seus próprios olhos.

Tinha vontade de encontrar um amigo de infância, qualquer um. Não sabia porque, mas queria, e ela era assim, sentia essas vontades do nada. E enquanto não sanava o desejo não sossegava. Naquele dia ela não teria escolha, não havia a menor possibilidade. Teria que engolir a vontade a seco.

Levava na mão os cadernos da faculdade. Papéis, sempre papéis, e inteminavelmente eles continuavam a aparecer em sua vida. O primeiro papel como atriz, o papel avisando que havia passado no vestibular, o papel que dizia qual era o seu nome, o papel que ela exercia na comunidade. Sempre os papéis de sua vida.

Como não podia deixar de ser, lhe entregaram milhões de papeizinhos na rua.

Quase sem perceber ela chegou ao prédio em que ele morava. Era seu genitor, mas ainda assim parecia um completo estranho aos seus olhos. Aquele assunto teria que ser resolvido naquele dia, era o único dia, ela precisava ficar livre dele. Não suportava a idéia de estar ligada a alguém que não estava nem aí.

Adentrou o elevador e sem pestanejar apertou o andar tão temido por tantos anos. Tantos anos evitando estar naquele lugar. Lá lhe trazia tantas lembranças. Lembranças que havia lutado praticamente sua vida toda para esquecer.

O elevador abriu. Hesitante ela deu o primeiro passo em direção ao seu futuro, para fora do elevador. Chegou ao apartamento: 1011. Aquele número lhe assombrava, hoje seria o fim do pesadelo.

Levantou a mão trêmula, olhou para o chão como quem pensasse que aquela não havia sido sua melhor idéia, abriu a boca para resmungar algo para si mesma mas sabia que não era necessário, já havia repetido a mesma ladainha diversas vezes. Sabia exatamente o que dizer quando o encontrasse.

Não chegara tão longe para mudar de idéia. Aproximou a mão da campainha.

O alarme soou longe, preparando o cenário para o inevitável.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Proseando sem nome nº 01


Hoje acordei com fome. Fome de poesia.

Fui até a cozinha, mas haviam acabado os raios de sol.

Subi as escadas com pressa para acordar minha irmã que dormia pesadamente sobre o travesseiro de sonhos dado a ela por nosso pai. Encontrei a cama vazia.

Minha irmã já voava pela janela ao encontro do dia que todo dia teimava em aparecer por lá.

Segui meus próprios passos de volta à cozinha. Que lugar mais perfeito para se começar um dia. Onde mais eu poderia tomar minha dose diária de tudo aquilo que me fortalece?

Onde mais encontraria minha dose diária de proparoxítonas e hiatos?

Apareceu hoje na cozinha uma prosa voadora. Pousou bem no parapeito de minha idéia e me olhou indagante como se quisesse permanecer por ali. Mas como toda boa prosa rapidamente voou antes que fosse possível alimentar-lhe com um pouco de esforço.

Após a prosa, se apossou de mim uma imensidão crescente. Teimou, teimou e ficou em mim. Cresci a ponto de agarrar-me ao céu, e tomar os raios de sol matinais no gargalo do dia.

Vi ao longe um paraíso particular, meu paraíso particular. Lá deitava-me sobre a grama e cantava esvaindo do peito toda dor da vida até que não pudesse ouvir minha própria voz, era como ser feliz para sempre.

Percebi então que não estava sozinha, me abraçava tímida uma vontade de ser vento; pés no chão, cabeça no céu e olhos no horizonte. Tudo se desfez diante daquele toque, e fui me juntar a vida que corria à passos largos, como se quisesse bater o record mundial daquilo que não existe.


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Belém

Lá vem a santa pelas ruas largas de Bélem.
Fé e suor na procissão.
E como é preciso ter fé,
segurar na corda como se fosse a mão da própria santa.
Casinhas, barquinhos, povo.
A vida em Miriti.
O corpo parece mais leve depois da passagem da santa.
Como se fôssemos feitos de miriti.
A tradição, raiz, o coração do país.
Tucupi, tipiti, açaí, miriti, buriti.
Tacaca, taperebá, vatapá.
Caruru e cupuaçú.
"Vamos ali ver-o-peso"
Outro mundo dentro do mundo.
Outro eu dentro de mim mesma.
A vida me leva como a corda da santa,
minha vida se esbarra com as vidas alheias, as mãos que seguram a corda.
E preciso ter fé.
Lá vai a santa pelas ruas largas de Belém.
Puxando a eterna procissão da vida.

domingo, 17 de outubro de 2010

Brasília + Poesia sem nome nº06

Respirei Ares de Brasília.
Pisei em solo brasiliense.
Me senti um pouco mais brasileira.
Meu coração se encheu de árido e concreto.
Brasília,
suas luzes,
suas ruas, retas, paralelas, congruentes,
cortam teu seio como fios de alta tensão por onde corre o sangue brasileiro,
por onde fluem calmamente os ares secos e ríspidos de você.
Estar em Brasília não é como estar em nenhum outro lugar no mundo.
É sentir-se pequeno diante da maestria do arquiteto,
que rege vigas como quem rege sóis e lás e rés.
O arquiteto que abrigou o coração do país, construiu suas veias.
Essas veias em formato de avião.
Fazem sonhar o futuro, alçar novos vôos sob teu céu azulado.
Ah, Brasília, centro do Brasil.
Coração Brasileiro.
Luzes públicas que corrompem a escuridão da noite brasiliense.
Nosso avião sobrevoa calmamente seus satélites.
E com o silêncio tão inerente a partida.
Me despeço de teu solo, oh, mãe gentil,
Brasília.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pequeno devaneio translúcido da carne

Não sei se fui ou se sou
Não sei ao menos se minha existência é crível.
As vezes sinto que não sou...
Mas então no peito palpita agitado o pequeno músculo,
saltos aloprados contra a pele nua.
Cada pulo é como se fosse a lembrança de que ainda há esperança,
[de que um dia a angústia e a falta de mim mesma se extinguirá.
Será que em alguma esquina dessa vida louca me encontrarei novamente?
A falta daquilo que é inevitável dentro de mim.
A falta de você, seja você quem for.
Falta aqui dentro, para que eu seja.
Faltam suas pernas, seu peito, sua boca.
Faltam as palpitações contra a pele nua.
Falta toda a ansia, toda a loucura.
Falta a falta de fôlego.
Falta a falta.
Falta você, aonde você estiver...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Poesia sem nome nº 04


Como escalar esse muro?
Como transpor o intransponível muro que nos separa?
Realidades tão diferentes...
Mundos tão opostos...
Almas tão iguais.
Somos como fragmentos de um mesmo todo.
Somos parte e todo ao mesmo tempo.
Como impedir que a realidade continue construindo tijolos?
Como impedir que a vida construa seus próprios muros em cima de nossos sonhos?
Preciso escalar.
Mas algo me detém.
Parada, estática, imóvel.
O chão segura meus pés.
O vento segura meus cabelos.
E essa chuva que não quer cessar.
Olho para o céu.
Não é chuva, são meus olhos que insistem em derreter.
Minha alma se esvazia.
E ninguém assiste ao espetáculo da vida que acontece alheio.
E o muro cresce.
Aonde está você? Pode me ouvir aí do outro lado?
Me apaixonei por você.
Olho pra você.
Estático, parado, imóvel.
O vento mais forte leva também minhas palavras.
Imóveis, estáticas, paradas.
Toma posse de minhas idéias.
Ouço um canto surgir em meu peito.
O muro então se desfaz dentro de mim.
E a chuva cai molhando toda a minha existência.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Poesia sem nome nº 01


Eu amo.
E amo do tamanho que quero.
Amo quem quero, como quero, porque quero, porque amo.
Amo o feio e o bonito, amo um, dois, três.
Amo ser.
Amo e cresço amando.
Tenho essa necessidade inerente de amar.
De amar como se fosse a última coisa que eu fosse fazer,
No dia ou na vida. Não importa.
Tenho essa vontade de amar com gosto,
Com cheiro, com gesto.
De andar descalça.
De deitar no colo.
E essa vontade louca de me apaixonar.
E ser peixe, bolha, vento.
E ser brisa.
E beijar rostos alheios.
E ter nos lábios a ternura da vida.
E ter o tempo nas mãos.
Quero amar sem ter que ter.
E ter que ser o amor que transbordo.
Quero ser amor...
Todo dia, toda hora, todo momento.
Para sempre.