"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Último dia do mês



Último dia do mês. Quero escrever, não consigo. A inspiração se esvai como que água por entre dos dedos ressequidos.

As palavras pulam em minha frente, mas não são minhas. Quero roubá-las, fazê-las minhas, engoli-las, antropofagicamente. Quero a câmera na mão, para filmá-las belas e dançantes, fazendo loopings e piruetas como se zombassem por não poder tê-las.

Riem-se todas de mim. “Não consegue pegar-nos?”. Tristemente repito para elas: “Estou a caminho...” Pareço fraca para cumprir com o prometido. Elas continuam a saltar e rir, como fadinhas divertindo-se com minha fraqueza.

Estico meus braços na direção de uma delas. Meus dedos quase chegam a encostar em uma delas, desilusão, se eu não me engano. Embora parecesse que se eu esticasse um pouco mais poderia pegá-la facilmente – uma vez que desfilava sedutora alheia ao mundo – não queria novamente ter que me contentar com ela.

Queria aquela, complicada, que voava com a destreza de 10 menestréis, bem alto, acima da minha cabeça. Não consegui entender direito o que era, mas era alegre, e brilhava.

Aos poucos a fraqueza foi desaparecendo, e parecia que as palavras se aproximavam de mim, ainda tímidas. Então era esse o segredo?

Levantei confiante, peguei lápis e papel e avancei sem temor para onde estavam as palavras. Elas pareciam gostar do lápis e do papel, especialmente do lápis, pois escorriam por seu corpo e sua ponta escura até tocar delicadamente o papel. Parecia que elas sabiam desde sempre como se formar em frases, sentenças, orações, versos.

Senti que elas entravam pela minha cabeça e escorriam por todo meu corpo para que eu sentisse o efeito que cada palavra daquela tinha em mim, saiam pelo lápis. O único ponto de escape, a única válvula, o único funil, que tornava a vida tão fácil.

A chuva começava a cair lá fora, e as palavras começavam a cair aqui dentro.

Uma a uma sem vontade, caiam as gotas e as palavras, cada vez mais fortes, até tomar meu corpo de tempestade e poesia.

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