"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

domingo, 22 de dezembro de 2013

Kar - Parte I

(Criação de personagem para mundo de RPG baseado em guerras e batalhas)

O cheiro putrefato da morte estava ali. Não fora como nenhuma das outras vezes, podia sentir. Aquele cheiro. Entranhava-se em suas roupas, em seu cabelo, em sua carne. Não se importava, convivia bem (pensando-se que o ato de conviver não se resume apenas à “com viver”) com os mortos.

Já estava com aquele corpo para além do que achava necessário, mas aquele era mais um dos testes, os intermináveis testes. Precisava se acostumar com o cheiro da morte, disseram. Aquilo não seria um problema, tinha contestado, seu olfato já não era mais como nos primeiros anos. Não se importavam os mestres, o ritual tinha que ser concretizado de forma satisfatória.

De forma satisfatória... Aquelas palavras haviam perpassado sua cabeça nos primeiros dias: o que era satisfatório para aquela gente? Peraí. Pra começo de conversa nunca havia pensado que eles pudessem sentir satisfação em primeiro lugar. Bem, mas ali estava a frase, e depois das primeiras semanas parou de pensar naquilo.

Com o tempo entendeu que além do cheiro a morte deixava outras marcas. O sangue que nas primeiras horas havia corrido em pequenos rios pelo chão de terra, agora havia se transformado em negros cristais que emolduravam o quadro de uma morte perfeita. O sorriso debochado no rosto do homem, também agora parecia psicopata já que a pele ressecada de seu rosto havia aberto ainda mais o sorriso e os olhos o deixando com uma expressão endemoniada.

Não se incomodava com a cena, nem com o corpo, nem com o cheiro, mas havia sido difícil conseguir comida nos últimos dias sem conseguir sair por muito tempo daquele lugar. Quatro semanas haviam dito, quatro semanas e voltariam para buscar o corpo. Não que ela tivesse como ter certeza de como se contava o tempo no deserto, já que o sol nunca saia de sua posição, mas tinha bastante treinamento de campo e podia fazer algumas aproximações. Já haviam passado sete semanas e três dias em sua contagem e nem sinal dos mestres. Nos primeiros dias tinha sido fácil arrumar comida, chamados pelo cheiro do sangue muitos animais tentaram se aproximar e sofreram um fim trágico. Mas depois que o corpo começou a cheirar naquele calor foi ficando cada dia mais difícil conseguir comida. Água então... Ficava grata pelo fato de que tinha uma habilidade especial que fazia com que conseguisse se manter mais tempo sem água, sem isso, sabia, já não seria mais.

Estava cansada de esperar. Não. Estava na verdade entediada. Não gostava daquele lugar. Havia se adaptado muito bem ao conhecimento das sombras, e aquele deserto onde o sol castigava vinte e quatro horas por dia não lhe agradava nem um pouco. Precisava se alimentar e começava a pensar que talvez nenhum animal fosse voltar ali, talvez nunca mais. E não se arriscava a deixar o corpo, ele deveria estar intacto para os mestres.

Decidiu que não esperaria mais. O tempo já havia passado e sabia no fundo que os mestres não viriam. Limpou o corpo o melhor que pode tirando as larvas que pareciam ter crescido magicamente nos ferimentos e esfregando um pouco de areia para limpar as partes mais nojentas. Colocou o corpo nos ombros de forma que pudesse carrega-lo sem fazer muito esforço dos braços (podia precisar deles no deserto e era bom que não estivessem cansados de carregar um morto qualquer), virou as costas para o sol, porque seria incapaz de caminhar olhando para ele e começou sua caminhada.

Se o que pensava estava correto iria levar cerca de quatro dias para chegar até o covil carregando aquele corpo. Teria que dar.

O sol era implacável, e as memórias foram surgindo sem serem convidadas. Havia passado a maior parte da vida até então como uma completa desconhecida. Ninguém a via. Desde criança havia ouvido falar dos lendários hassassin e tinha inventado ela mesma uma forma de se “esconder nas sombras”. Nada comparado à habilidade em si de dobrar as sombras a seu favor, mas servia para alimentar-se e ouvir conversas que não deveriam ser ouvidas.

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