(Criação de personagem para mundo de RPG baseado em guerras e batalhas)
O cheiro
putrefato da morte estava ali. Não fora como nenhuma das outras vezes, podia
sentir. Aquele cheiro. Entranhava-se em suas roupas, em seu cabelo, em sua
carne. Não se importava, convivia bem (pensando-se que o ato de conviver não se
resume apenas à “com viver”) com os mortos.
Já estava com
aquele corpo para além do que achava necessário, mas aquele era mais um dos
testes, os intermináveis testes. Precisava se acostumar com o cheiro da morte,
disseram. Aquilo não seria um problema, tinha contestado, seu olfato já não era
mais como nos primeiros anos. Não se importavam os mestres, o ritual tinha que
ser concretizado de forma satisfatória.
De forma
satisfatória... Aquelas palavras haviam perpassado sua cabeça nos primeiros
dias: o que era satisfatório para aquela gente? Peraí. Pra começo de conversa
nunca havia pensado que eles pudessem sentir satisfação em primeiro lugar. Bem,
mas ali estava a frase, e depois das primeiras semanas parou de pensar naquilo.
Com o tempo
entendeu que além do cheiro a morte deixava outras marcas. O sangue que nas
primeiras horas havia corrido em pequenos rios pelo chão de terra, agora havia
se transformado em negros cristais que emolduravam o quadro de uma morte
perfeita. O sorriso debochado no rosto do homem, também agora parecia psicopata
já que a pele ressecada de seu rosto havia aberto ainda mais o sorriso e os
olhos o deixando com uma expressão endemoniada.
Não se
incomodava com a cena, nem com o corpo, nem com o cheiro, mas havia sido
difícil conseguir comida nos últimos dias sem conseguir sair por muito tempo
daquele lugar. Quatro semanas haviam dito, quatro semanas e voltariam para
buscar o corpo. Não que ela tivesse como ter certeza de como se contava o tempo
no deserto, já que o sol nunca saia de sua posição, mas tinha bastante
treinamento de campo e podia fazer algumas aproximações. Já haviam passado sete
semanas e três dias em sua contagem e nem sinal dos mestres. Nos primeiros dias
tinha sido fácil arrumar comida, chamados pelo cheiro do sangue muitos animais
tentaram se aproximar e sofreram um fim trágico. Mas depois que o corpo começou
a cheirar naquele calor foi ficando cada dia mais difícil conseguir comida.
Água então... Ficava grata pelo fato de que tinha uma habilidade especial que
fazia com que conseguisse se manter mais tempo sem água, sem isso, sabia, já
não seria mais.
Estava
cansada de esperar. Não. Estava na verdade entediada. Não gostava daquele
lugar. Havia se adaptado muito bem ao conhecimento das sombras, e aquele
deserto onde o sol castigava vinte e quatro horas por dia não lhe agradava nem
um pouco. Precisava se alimentar e começava a pensar que talvez nenhum animal
fosse voltar ali, talvez nunca mais. E não se arriscava a deixar o corpo, ele
deveria estar intacto para os mestres.
Decidiu que
não esperaria mais. O tempo já havia passado e sabia no fundo que os mestres
não viriam. Limpou o corpo o melhor que pode tirando as larvas que pareciam ter
crescido magicamente nos ferimentos e esfregando um pouco de areia para limpar
as partes mais nojentas. Colocou o corpo nos ombros de forma que pudesse
carrega-lo sem fazer muito esforço dos braços (podia precisar deles no deserto
e era bom que não estivessem cansados de carregar um morto qualquer), virou as
costas para o sol, porque seria incapaz de caminhar olhando para ele e começou
sua caminhada.
Se o que
pensava estava correto iria levar cerca de quatro dias para chegar até o covil
carregando aquele corpo. Teria que dar.
O sol era
implacável, e as memórias foram surgindo sem serem convidadas. Havia passado a
maior parte da vida até então como uma completa desconhecida. Ninguém a via.
Desde criança havia ouvido falar dos lendários hassassin e tinha inventado ela
mesma uma forma de se “esconder nas sombras”. Nada comparado à habilidade em si
de dobrar as sombras a seu favor, mas servia para alimentar-se e ouvir
conversas que não deveriam ser ouvidas.
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