(Continuação da criação de um personagem para um mundo de RPG baseado em guerras e batalhas)
Precisava
chamar a atenção dos mestres das sombras. Já tinha ouvido antes que havia
existido um escravo que tinha sido escolhido pelos mestres, isso não passava de
uma lenda, mas ela precisava tentar. Precisava vencer o torneio, mas isso, ela
sabia, seria impossível, pois ela não tinha nem como entrar no torneio, afinal,
não era qualquer um que o fazia, ainda mais sendo escravo. Mas nada a impediria
e ela soube disso no mesmo momento em que seu algoz o descobriu. Havia ouvido
naquela semana que tropas aliadas a ele estavam se movimentando em terras
proibidas para fazer uma troca de escravos com alguns magos.
Magos! Ela
sabia que tinha então uma carta na manga. Qualquer interação com aqueles que se
chamavam magos nessa terra era proibida e a grande fera estaria morta antes que
pudesse segurar o chicote, caso ela abrisse a boca. Para a sua sorte, seu algoz
não era a pessoa mais inteligente do mundo e caiu em sua armadilha
perfeitamente. Um dia em que o sol formava sombras especialmente densas ela conseguiu
esgueirar-se do lugar onde se encontrava trabalhando até se aproximar da grande
fera (o algoz gostava que seus escravos o chamassem assim). A fera se assustou
ao ver a menina, mas antes que a ponta de cravos do chicote cravasse em seu
dorso ela esgueirou-se para o lado, fazendo com que a ponta passasse a
centímetros de seu pé.
- Tenho uma
proposta para o senhor. – disse a menina encolhida nas sombras.
- Volte ao
seu trabalho humana, ou serei obrigado a matá-la.
- Eu ouvi
dizer que é proibido contrabandear escravos para os magos, e acho que os
mestres dragões vão ficar muito irritados com a sua falta de lealdade à
Mórfilis, grande fera.
A fera olhou
com ódio para a menina. Nesse momento ela sabia que havia conseguido sua
atenção, era só uma questão de pisar com calma nos próximos momentos.
- Mas isso
não precisa acontecer. O senhor pode ser uma fera muito rica. Poderia até, quem
sabe, subir de patente. Ser um general um dia. Sei que a grande fera gostaria
muito de ouvir seu nome dito dessa forma. General Kerkar.
- General
Kerkar... – disse a fera saboreando cada sílaba – Soa muito bem realmente. Mas
você não tem como provar que o que diz é verdade, ratazana. Por que eu iria
fazer qualquer tipo de acordo com você?
- O senhor
está se esquecendo, general Kerkar? – ela sabia que ele gostava da forma como
aquilo soava, só lhe faltava mais um empurrãozinho – O fato é de que o senhor
sabe como esse tipo de acusação envolvendo magos é investigada, ou não é
investigada – fazendo um movimento de cortar a garganta com o dedo – se o
senhor me entende. Só precisaria que o rumor se espalhasse. E além disso, o
senhor está se esquecendo da parte mais importante: como posso fazê-lo um homem
rico. E essa é a parte simples: o senhor só precisa pagar o preço de sangue para
que eu possa entrar no Torneio do Armagedon. Se eu perder, o senhor não tem com
o que se preocupar, e não perderá muita coisa, afinal, não sou a melhor de suas
escravas e o senhor e eu temos consciência disso, e se eu ganhar, bem, se eu
ganhar, posso pedir qualquer coisa que o senhor quiser como prêmio.
- E a
história?
- Jamais será
ouvida por qualquer um.
- Hahaha. Não
posso deixar de admitir que será prazeroso vê-la morrer.
Fazia, desde
então, cerca de dez anos desde que tivera aquela conversa com Kerkar, e tudo
havia saído mais ou menos como planejava. Havia conhecido segredos de pessoas
importantes por todo o continente graças ao seu envolvimento com os hassassins,
e isso a manteve viva por todos esses anos.
Os passos
doíam no amanhecer do quarto dia, mas sabia que não podia desistir. O corpo de
Kerkar pesava sobre o seu, mas estivera todo esse tempo à espera desse ritual.
Vira sua própria morte muito próxima nesses últimos dias e tinha conseguido
esquivá-la. Cruzar com um viajante errante fora, sem dúvida, a salvação do
último dia, e nunca esteve tão feliz quanto quando cortou sua garganta e bebeu
da fonte de água rubra e ferrosa que a morte lhe oferecera. A água do viajante
deveria ser o suficiente até o final da viagem.
Achou por
duas vezes que vislumbrava um dos mestres no horizonte, mas atribuiu as visões
ao calor nauseante do deserto. Havia ouvido falar das visões de deserto e pode
comprovar que eram verdadeiras as histórias, não que isso fosse muito
reconfortante. O sol que nunca se movia como era conhecido pela maioria do povo
ignorante dos reinos castigava no horizonte atrás de suas costas e ela ficou
aliviada quando no dia anterior haviam chegado a uma região costeira, não podia
entrar na água, claro, já que essa esbravejava contra as pedras da encosta a
uns quinze metros abaixo, mas o encontro com a brisa marinha tinha animado-a.
Não muito
depois alcançou a entrada do templo das sombras, o lugar de repouso de seus
mestres. Depositou o corpo de Kerkar na entrada, no altar dos sacrifícios, e
dirigiu-se descalça à câmara interna, onde deveria encontrar os mestres. E lá
estavam, como esperava que estivessem.
- Cinquenta e
oito dias e treze horas. É um recorde. Não esperávamos menos de você. – disse
um daqueles.
- De fato.
Teve momentos em que pensamos que já estava morta, mas as visitas que fizemos
nos comprovaram de que ainda lutava contra ela.
– disse outro.
- Venha,
criança. Não se pode considerar-se um verdadeiro hassassin antes que se tenha
conhecido a morte de perto. E você, criança, fez mais que isso, você usou a
morte como forma de continuar viva. Você bebeu a morte e renasceu como uma de
nós. O sangue é seu, e todo o sangue de seus inimigos te pertence a partir de
agora. Faça com que suas sombras se juntem às sombras de todo o mundo de
Mórfilis e que se curvem à um bem maior. O mundo é seu, faça bom uso dele.
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