"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Kar - Parte II

(Continuação da criação de um personagem para um mundo de RPG baseado em guerras e batalhas)

Precisava chamar a atenção dos mestres das sombras. Já tinha ouvido antes que havia existido um escravo que tinha sido escolhido pelos mestres, isso não passava de uma lenda, mas ela precisava tentar. Precisava vencer o torneio, mas isso, ela sabia, seria impossível, pois ela não tinha nem como entrar no torneio, afinal, não era qualquer um que o fazia, ainda mais sendo escravo. Mas nada a impediria e ela soube disso no mesmo momento em que seu algoz o descobriu. Havia ouvido naquela semana que tropas aliadas a ele estavam se movimentando em terras proibidas para fazer uma troca de escravos com alguns magos.

Magos! Ela sabia que tinha então uma carta na manga. Qualquer interação com aqueles que se chamavam magos nessa terra era proibida e a grande fera estaria morta antes que pudesse segurar o chicote, caso ela abrisse a boca. Para a sua sorte, seu algoz não era a pessoa mais inteligente do mundo e caiu em sua armadilha perfeitamente. Um dia em que o sol formava sombras especialmente densas ela conseguiu esgueirar-se do lugar onde se encontrava trabalhando até se aproximar da grande fera (o algoz gostava que seus escravos o chamassem assim). A fera se assustou ao ver a menina, mas antes que a ponta de cravos do chicote cravasse em seu dorso ela esgueirou-se para o lado, fazendo com que a ponta passasse a centímetros de seu pé.

- Tenho uma proposta para o senhor. – disse a menina encolhida nas sombras.

- Volte ao seu trabalho humana, ou serei obrigado a matá-la.

- Eu ouvi dizer que é proibido contrabandear escravos para os magos, e acho que os mestres dragões vão ficar muito irritados com a sua falta de lealdade à Mórfilis, grande fera.

A fera olhou com ódio para a menina. Nesse momento ela sabia que havia conseguido sua atenção, era só uma questão de pisar com calma nos próximos momentos.

- Mas isso não precisa acontecer. O senhor pode ser uma fera muito rica. Poderia até, quem sabe, subir de patente. Ser um general um dia. Sei que a grande fera gostaria muito de ouvir seu nome dito dessa forma. General Kerkar.

- General Kerkar... – disse a fera saboreando cada sílaba – Soa muito bem realmente. Mas você não tem como provar que o que diz é verdade, ratazana. Por que eu iria fazer qualquer tipo de acordo com você?

- O senhor está se esquecendo, general Kerkar? – ela sabia que ele gostava da forma como aquilo soava, só lhe faltava mais um empurrãozinho – O fato é de que o senhor sabe como esse tipo de acusação envolvendo magos é investigada, ou não é investigada – fazendo um movimento de cortar a garganta com o dedo – se o senhor me entende. Só precisaria que o rumor se espalhasse. E além disso, o senhor está se esquecendo da parte mais importante: como posso fazê-lo um homem rico. E essa é a parte simples: o senhor só precisa pagar o preço de sangue para que eu possa entrar no Torneio do Armagedon. Se eu perder, o senhor não tem com o que se preocupar, e não perderá muita coisa, afinal, não sou a melhor de suas escravas e o senhor e eu temos consciência disso, e se eu ganhar, bem, se eu ganhar, posso pedir qualquer coisa que o senhor quiser como prêmio.

- E a história?

- Jamais será ouvida por qualquer um.

- Hahaha. Não posso deixar de admitir que será prazeroso vê-la morrer.

Fazia, desde então, cerca de dez anos desde que tivera aquela conversa com Kerkar, e tudo havia saído mais ou menos como planejava. Havia conhecido segredos de pessoas importantes por todo o continente graças ao seu envolvimento com os hassassins, e isso a manteve viva por todos esses anos.

Os passos doíam no amanhecer do quarto dia, mas sabia que não podia desistir. O corpo de Kerkar pesava sobre o seu, mas estivera todo esse tempo à espera desse ritual. Vira sua própria morte muito próxima nesses últimos dias e tinha conseguido esquivá-la. Cruzar com um viajante errante fora, sem dúvida, a salvação do último dia, e nunca esteve tão feliz quanto quando cortou sua garganta e bebeu da fonte de água rubra e ferrosa que a morte lhe oferecera. A água do viajante deveria ser o suficiente até o final da viagem.

Achou por duas vezes que vislumbrava um dos mestres no horizonte, mas atribuiu as visões ao calor nauseante do deserto. Havia ouvido falar das visões de deserto e pode comprovar que eram verdadeiras as histórias, não que isso fosse muito reconfortante. O sol que nunca se movia como era conhecido pela maioria do povo ignorante dos reinos castigava no horizonte atrás de suas costas e ela ficou aliviada quando no dia anterior haviam chegado a uma região costeira, não podia entrar na água, claro, já que essa esbravejava contra as pedras da encosta a uns quinze metros abaixo, mas o encontro com a brisa marinha tinha animado-a.

Não muito depois alcançou a entrada do templo das sombras, o lugar de repouso de seus mestres. Depositou o corpo de Kerkar na entrada, no altar dos sacrifícios, e dirigiu-se descalça à câmara interna, onde deveria encontrar os mestres. E lá estavam, como esperava que estivessem.

- Cinquenta e oito dias e treze horas. É um recorde. Não esperávamos menos de você. – disse um daqueles.

- De fato. Teve momentos em que pensamos que já estava morta, mas as visitas que fizemos nos comprovaram de que ainda lutava contra ela.  – disse outro.

- Venha, criança. Não se pode considerar-se um verdadeiro hassassin antes que se tenha conhecido a morte de perto. E você, criança, fez mais que isso, você usou a morte como forma de continuar viva. Você bebeu a morte e renasceu como uma de nós. O sangue é seu, e todo o sangue de seus inimigos te pertence a partir de agora. Faça com que suas sombras se juntem às sombras de todo o mundo de Mórfilis e que se curvem à um bem maior. O mundo é seu, faça bom uso dele.

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