"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

sábado, 31 de março de 2012

Marvin


Eu estou escrevendo isso para contar a história de como Marvin acabou pulando daquela ponte, mas não estou contando isso para que vocês se compadeçam de Marvin, Marvin não era o tipo de homem do qual as pessoas se compadecem, Marvin era o tipo de homem do qual as pessoas tem inveja, e no grande momento de sua vida, foi quando, sem prévia nem aviso, Marvin acabou pulando daquela ponte.

Marvin, 22 anos, estava na NYU, mas ao contrário de seus colegas, ainda morava com sua avó, a poucos quilômetros de seu campus. O que venhamos e convenhamos, não era lá coisa muito normal por esses lados de lá.

Marvin tinha uma rotina, mas ela era raramente seguida. Para ele, rotina era o que sustentava os argumentos das pessoas sem imaginação, por isso a rotina de Marvin era apenas um papel colado na geladeira para acalmar os ânimos de sua avó e em sua cabeça seu único hábito era acordar todos os dias. E o cultivava religiosamente.

Ao contrário da maioria das pessoas de sua idade, Marvin não tinha celular, o que fazia sua vida desrotineira um ponto ainda mais complicado de se lidar: ninguém nunca sabia por onde Marvin andava. E Marvin andava.

Gostava de estar em todos os lugares e com todas as pessoas. Ele conhecia, ao que parecia, mais da metade de toda a cidade, e em todos os lugares que passava alguém já tinha ouvido falar de Marvin: uns pela vez em que ele havia tocado violão na rua para conseguir dinheiro para um corte de cabelo estilizado, outros pela vez em que ele tinha juntado cinco grafiteiros muito talentosos para pintar uma das balsas de Staten Island e outras até pelo fato de que Marvin havia sido o primeiro homem a cruzar a ponte do Brooklyn plantando bananeira.

De fato, a ponte do Brooklyn era algo constante na vida de Marvin, talvez a única coisa constante (tirando sua avó é claro), e sem dúvidas, não poderia ter sido melhor a escolha dela como ponto de despedida de Marvin desse mundo. Foi lá também, na ponte, que Marvin achou a fotografia.

Aquela fotografia era tão intrigante quanto a forma com que Marvin a achou. Poucas vezes na vida Marvin havia tropeçado. Se considerava um homem bastante equilibrado, mas naquele dia específico não pode controlar a força da gravidade que o puxou com força para a madeira dura que forrava a plataforma lateral à ponte, dedicada aos passeios dos pedestres.

Assim que caiu, os olhos de Marvin pousaram diretamente na estranha fotografia. Estava ali, gentilmente posicionada no chão entre o vão e o pé do banco. Um homem nu, uma bicicleta e aquele mesmo banco no qual Marvin se apoiava. Virou a fotografia e ali escrito leu a frase que mudou tudo.

Primeira reação, quase instintiva, Marvin olhou para os lados, mas estava sozinho na ponte, virou e desvirou a fotografia, sentou-se na cadeira, levantou-se. Repetiu aquela que imaginou ter sido a movimentação do homem da foto.

Ali, naquela posição estranhamente familiar para Marvin ele avistou, por entre as frestas da ponte o que ele sentiu estar procurando a sua vida toda, aproximou-se mais da fresta de forma que pudesse enxergar melhor, mas ainda não era o suficiente.

Quase como que em hipnose pela recém-descoberta, Marvin se aproximou da grade de proteção da ponte, colocou levemente as mãos no corrimão, tentou avistar avidamente, mas foi inútil. Pôs os pés cambaleantes sobre a madeira do corrimão, abriu os braços longamente e deixou que a gravidade vencesse outra vez, se encontrando finalmente com aquilo que mais desejava.

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