"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

quinta-feira, 22 de março de 2012

Chuva

- Mas eu voltei por você!

- Não faz diferença, eu estou saindo daqui. Não aguento mais essa situação.

Tereza pega sua mala já preparada no chão da sala, coloca as chaves em cima do balcão da cozinha e sai pela porta, deixando ele completamente devastado.

Ele cai de joelhos no meio da sala que agora parece completamente vazia. Sente um aperto no peito que parece incurável. Ele leva a mão até o peito e aperta um local onde ele acha que fica seu coração, não tinha prestado muita atenção nas aulas de biologia de muito tempo atrás, não era muito bom aluno, talvez lembrasse daquela música do Milton Nascimento: “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração”, mas não tinha certeza.

A dor que sente é intensa. Ele não sabe exatamente se a dor vem do término do casamento de vinte anos ou de sua mão apertando o peito cada vez com mais força. Depois do que parece uma eternidade tentando conter a dor, ele cai exausto no chão, seu corpo se contorcendo por cima de si mesmo. A dor era real. Excruciante. Seus olhos se fecham com calma enquanto sua mente tenta afastar a dor. Mas Tereza havia ido embora, não havia mais sentido em afastar a dor. E como uma onda que engole a areia a dor tomou conta do corpo dele, fazendo-o entrar em um estado de torpor.

Seus olhos se abriram calmamente, a luz ainda muito forte o cegando um pouco. Ficou um tempo tentando se familiarizar com a luz e conseguiu, finalmente, colocar sua visão em foco, ainda um pouco tonto. Ele lembrou sonhos, imagens distorcidas de sua infância: o ano em que seus pais se separaram e como ele achou que nunca poderia sentir uma dor igual na vida, o primeiro beijo aos 12 anos, depois, aos 14 saber que nunca poderia enterrar a mãe por causa da ditadura, e como descobriu que a dor da separação de seus pais não era nada comparada a perda de um deles, aos 22, a primeira vez que viu Tereza... Tereza, uma pontada de dor surge no mesmo lugar, e assim que ele leva a mão ao peito, uma figura, de olhos verdes profundos e cabelos negros como a escuridão, aparece ao seu lado. Ele finalmente compreende, estava em um hospital.

- O que aconteceu?

- Você teve um infarto. O médico diz que você tem sorte. Se eu não tivesse voltado para pegar meu celular, você já estaria morto à uma hora dessas.

- O celular... – os dois ficam um minuto em silêncio, Tereza é a primeira a falar.

- Me desculpe, me desculpe de verdade, eu não queria causar tanto sofrimento a você. Você sempre foi bom para mim.

- Eu te amei... E amo, desde que te vi, há trinta e cinco anos atrás, naquela faculdade, você estava linda naquele dia.

Tereza parece se lembrar do dia em que viu ele pela primeira vez. Um leve sorriso surge no canto de sua boca, que rapidamente é trocado por uma cara séria.

- Você não vai me aceitar novamente, não é? Não depois de tudo o que fiz para você.

Ele olha carinhosamente para ela, mas ele sabe que jamais poderia suportar sentir outra vez uma dor tão grande quanto havia sentido, ele sabe, ela também, que aquilo voltaria a acontecer, mais cedo ou mais tarde, para ela, o amor já vinha se deteriorando há muito tempo, mas ele não enxergava, era um romântico incurável. Havia se atado tão fortemente a ela, e aquele sentimento, pois não tinha mais nada, não tinha mais ninguém.

Há tanto tempo Tereza havia sido seu porto seguro, que ele não conhecia outra casa, não conhecia outro amor. A dor havia sido muito forte, e acarretara em uma série de consequências que ele não podia se dar ao luxo de passar novamente.

Os dois se olharam carinhosamente como se soubessem que não deviam dizer nada. Tinham possuído por muito tempo um amor invejado por muitos. Agora, estava acabado.

Tereza pegou sua bolsa e se dirigiu até a porta do quarto. Antes de sair olhou para trás, viu uma última vez o homem que amara por tantos anos.

- A gente se vê por aí.

- A gente se vê por aí.

Mas os dois sabiam que aquilo não era verdade. Não se veriam nunca mais. Para qualquer um dos dois, reviver aquelas lembranças do amor perfeito que tinham seria ruim de mais. Nunca mais poderiam se ver.

Tereza fecha a porta atrás de si. Ele puxa seu cobertor e vira para o lado. Nenhum dos dois pôde conter a chuva que chegou em seguida.

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