"Se não é pela arte, pra que a alma pesando o corpo?" - Caio Soh

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Areia Branca - Parte 01/02


Caminhei pela areia quente de cabeça baixa até me deparar novamente com aqueles pés cansados e enrugados que um dia fizeram parte da minha história.

Era tão estranho. Eu sabia que eles não estavam realmente ali, porque todas as outras pessoas naquela praia desviavam o olhar cada vez que viam os pés, assim como todas as memórias daquele tempo, ao contrário, teimavam em permanecer quanto mais eu olhasse para eles. É estranho como nos tornamos invisíveis ao mundo depois de passar por aquele tipo de experiências.

Aqueles pés estiveram presentes em muitos momentos da minha vida. Em certo ponto nós ficamos intangíveis e nos tornamos apenas pegadas deixadas na areia, que se vão com as águas.

Estivemos juntos na África. Na mãe África. Toda aquela crença de que um dia sairíamos daquela miséria, daquela fome, se tornaram reais, mas com um custo muito alto. Um custo tão alto que preferia não ter tido que pagar por ele. A liberdade do meu corpo não valeu a perda da minha alma. A minha alma foi há muito tempo enterrada, nas areias d'África.

Aquelas areias da praia que entravam por entre os meus dedos fazendo uma cosquinha de leve, me lembravam da minha infância, lá nas areias caras e brancas da Cidade do Cabo. Os ricos corpos bracos e louros que quase se misturavam com a areia e desfilavam pelas areias jamais saberiam que à noite as areias se entregavam aos corpos negros como uma mulher em sua noite de núpcias.

Eu e meus amigos pisávamos a areia calmamente, com medo de sermos ouvidos das casas gigantescas (pelo menos aos nossos olhos). Aquela primeira pisada na areia era tão prazerosa. Aquela sensação das areias entrando por entre os dedos sempre me pareceu algo proibido. Algo que não me pertencia, e ao qual eu também não pertencia.

Hoje, já nas areias queimadas das praias brasileiras podia sentir aquela mesma sensação, e agora, já sem aquela intrínseca imaginação infantil podia constatar que pisar nas areias e senti-las entrando por entre meus dedos era a única forma que eu tinha de me sentir livre de novo.

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